quarta-feira, 11 de setembro de 2019

GIRASSÓIS NA JANELA



Uma história sobre maturidade



A casa era de madeira, no meio de um extenso e verde gramado. O mês era setembro.

Ao abrir a janela do seu quarto, que ficava virada para o leste, Gabriel se deparou com um girassol em flor, com uma única flor.

O girassol


E assim foi pelos próximos dias, sempre que abria a janela pela manhã o girassol estava de costas para ele e de frente para o sol.

A partir do meio dia, o sol caminhava para oeste e o girassol ia junto. Acompanhando o sol, o girassol virava de frente para a janela de Gabriel.
Todo dia era assim, menos quando o céu estava nublado, aí o girassol ficava na dele, não se abria muito, como se estivesse introspectivo.

À noite, o girassol dormia, descansava do seu trabalho diário de andar atrás do sol, mas na manhã seguinte lá estava ele novamente, virado para o nascer do sol, e à medida que o sol brilhava e aquecia o girassol se abria mais.

Mas chegou um dia em que o girassol não acordou pela manhã, não quis ver o sol, não se abriu, cumpriu seu ciclo, morreu, deixando dezenas de sementes.

Gabriel

Assim era ele, pensador, pensativo, algumas pessoas diziam que era por isso que Gabriel parecia triste.

Não teve uma vida fácil e por muito tempo até se considerou uma pessoa infeliz e, às vezes, um fracassado.

Mas nos últimos anos vinha sentindo uma mudança interior que não sabia explicar direito.

Ao observar o comportamento do girassol naqueles dias, Gabriel ficou a pensar e a refletir sobre a sua própria vida.

Percebeu que de uns tempos pra cá não tinha mais tanta necessidade de falar, de expressar seu pensamento e suas opiniões. Apenas queria experimentar a vida, não queria convencer ninguém de nada, só queria desfrutar do seu caminho, mais ou menos como aquele girassol.

Gabriel notou que fazia tempo que passou a andar mais devagar, com mais calma, não tinha mais porque correr, perdeu a pressa.

Surpreendeu-se com o equilíbrio que seu humor vinha apresentando e com a falta de interesse em julgar os outros, em conceituar, rotular e explicar tudo o que via.

Gabriel havia se tornado mais atento e delicado em seus movimentos e no trato com as pessoas, preferindo sempre o calor e a luz da serenidade e do equilíbrio.

Deixou de se preocupar com a idade, com os erros, com reconhecimento, com frustrações e contrariedades, com incertezas e com a opinião alheia. Até se pegou rindo de si mesmo, do próprio ridículo.

Foi assim que Gabriel percebeu que estava amadurecendo, mas que usava mais bengalas na juventude do que depois de velho. Quando era jovem usava bengalas para a alma e para as emoções, procurou drogas, cigarro, bebidas, paixões, terapias e religiões.

Mas agora parecia que corpo e alma percorriam caminhos contrários. Quanto mais o corpo se aproximava da morte, mais viva a alma se tornava. E quanto mais jovem e vigoroso era seu corpo, menos vida parecia haver na alma, que era mais instável, insatisfeita, ranzinza e rabugenta.


Ao sentir seu corpo envelhecendo, sentia também o sol da juventude a encher-lhe a alma. E seguia docemente a sua trajetória, sem sobressaltos nem desesperos.

Ora olhando para o leste, ora se virando para oeste, Gabriel seguia o sol e aproveitava a sua luz para apreciar as belezas naturais, como um girassol na janela.

Ao cair da noite, ou nos dias de chuva, Gabriel gostava de sossegar e ler, ficar confortável e pensar, levemente introspectivo, mas sem aquela tristeza dilacerante da juventude.

Nos dias de ventos fortes, Gabriel desfrutava sem reclamar, sentia os odores que o vento carregava e a carícia que ele lhe fazia. Apesar da idade, Gabriel tonara-se mais maleável, deixando para traz a rigidez da juventude. Aprendeu a dançar com a vida, como o girassol no vento, com graça e harmonia.

Gabriel percebeu que, como o girassol ao morrer, deixaria sementes, esperança e possibilidade de vida nova.

Sabia que não acontecia assim com todas as pessoas, então entendeu que tivera uma boa vida, porque aprendeu, e não foi em vão o tempo que passou sob o sol.

Não desejava partir e não recusava a partida, alcançou uma calma e uma serenidade próprias daqueles que sabem que não precisam, não querem nem podem controlar.

Entendeu, por fim, que a vida não é para ser forçada, rotulada, controlada e que seu verdadeiro sentido é só ela mesma, está em si mesma, naquilo que é, do jeito que é.

Entendeu que poderia ter poupado muito esforço e sofrimento e que poderia ter desfrutado da vida de forma mais leve, mas afinal, foi o que foi e exatamente o que tinha que ser.

Como aquele girassol na sua janela, oferecendo-lhe um espetáculo diário, por um tempo determinado, exatamente como tinha que ser.



Nenhum comentário:

Postar um comentário