D esinformação: a psicodelia dos caretas
A desinformação não é o mesmo
que ignorância e também não é apenas uma mentira ou fake News, é muito pior.
Enquanto a ignorância é desconhecimento,
é ausência da informação, a desinformação é a distorção proposital e planejada da
informação com propósito de enganar quem a consumir, é a negação da verdade
através de uma narrativa facciosa.
A
ignorância pode ser superada facilmente com informação, estudo, pesquisa e
experiência.
A desinformação não, porque a
informação distorcida sacia a ignorância, preenche um espaço que estava vazio,
mas vem carregada da intenção de quem a colocou ali, de quem a elaborou e não daquele
que ignora, que deveria ir livremente e de mente aberta em busca de informação.
O processo para reverter este
quadro é um processo de cura. É necessário retirar uma informação distorcida do
convencimento e fazer a mente se abrir ao novo, com curiosidade e criticidade.
E este é um processo mais difícil
do que simplesmente informar, porque a desinformação utiliza-se de emoções e
anseios, de dúvidas e principalmente dos medos de uma pessoa ou grupo social.
Um exemplo.
Suponhamos que os Estados
Unidos quisessem tomar o Canadá. Para isso precisaria de apoio e união de todas
as instituições governamentais, de segurança, financeiras e da população
americana em torno deste projeto de poder.
Iniciaria, portanto, uma campanha
que criasse uma imagem horrível do Canadá, do governo canadense e da sua
população, utilizando dos piores medos e das maiores preocupações dos
americanos. Criaria ódio aos canadenses, distorcendo fatos, criando fatos e afastando
os americanos da verdade, por isso é desinformação.
Na desinformação muitas vezes
são aproveitadas situações reais, porém distorcidas, modificadas, exageradas,
acrescidas ou subtraídas de elementos de forma a descaracterizá-la, por isso é
desinformação.
A campanha dos Estados Unidos
contra o Canadá se daria no campo jornalístico, institucional, de forma geral e
localizada, mas também através das artes e de outros meios. Por exemplo, poderiam
ser financiados filmes em que o vilão seria canadense, a tragédia seria
canadense, a origem do mal seria em território canadense.
Assim, em pouco tempo, a
maioria do povo americano estaria suplicando por uma invasão ao Canadá e veria esta
medida como necessária e urgente para salvar os Estados Unidos e cada cidadão
americano de um verdadeiro terror.
Desinformação e poder
A desinformação serve ao
poder, a projetos de poder, a poderes constituídos, a manutenção de poderes.
É certo que este tipo de
estratégia não é nada novo na história da humanidade. O nazismo a utilizou para
demonizar os judeus e todos os que resolveu perseguir e eliminar.
Mas o que antes dependia da
circulação dos jornais impressos, de transporte lento ou dos correios, hoje está
potencializado pela internet e pela inteligência artificial. O estrago é bem maior
e mais profundo.
A desinformação é uma estratégia,
fake News e mentiras são apenas soldados dela, parte de algo maior.
Se a NASA tivesse contato com
seres de outros planetas e quisesse esconder isso da população mundial, o que ela
faria?
Criaria uma narrativa de que a
NASA tem contato com seres de outros planetas. Porém uma narrativa completamente
inverossímil, com elementos que seduzissem as pessoas, mas como ficção, diversão
ou como uma forma de satisfazer frustrações, medos ou esquecer da mediocridade
da própria vida. Jamais estas pessoas acreditariam se alguém lhes dissesse que havia
outra verdade.
Os maiores instrumentos de desinformação
da atualidade são as redes sociais e principalmente os grupos temáticos. Ali a
falsa narrativa é compartilhada por alguém conhecido, um amigo, alguém que se
admira, sendo difícil crer que se trata de algo falso.
Foram estes instrumentos, nas
mãos de empresas e de mercenários, que influenciaram as últimas eleições nos
EUA, no Brasil e em outros países. Este desserviço tem causado linchamento, físico
e virtual, de pessoas inocentes, tem interferido no trabalho de forças de segurança,
governos e de proteção à vida.
Algumas pessoas, ignorante no
assunto, passam as mensagens com intenção de ajudar do próximo, e acabam ajudando
a proliferar uma informação falsa, além de estar afastando a pessoa da verdade.
Porém outras pessoas sabem o que estão fazendo e fazem por dinheiro, por
maldade, ódio, mediocridade e pelas mais absurdas motivações, incluindo o
fanatismo religioso. Inclusive as religiões são por excelência instrumentos de desinformação.
A desinformação cria a ilusão
de que a pessoa sabe a verdade e isso é mil vezes pior do que a ignorância e a
dúvida.
As deep fakes
Pedro Burgos, em um artigo da Época,
de 20 de setembro de 2019, afirma que os americanos já estão preocupados com o
processo eleitoral de 2020 e que a dificuldade de monitorar as atividades de desinformação
nas redes nem é a maior das preocupações.
Diz Burgos que “há uma grande
preocupação com as “realidades sintéticas”, como os deep fakes e
áudios falsos. A tecnologia que permite criar vídeos falsos convincentes a
partir de gravações está avançando velozmente. Mesma coisa para as mensagens
em áudio. Em um site que já foi tirado do ar, era possível digitar um texto
qualquer e ouvir uma personalidade política lendo, com entonação, trejeito e
sotaque de volta. É algo assustador, especialmente para nós brasileiros,
que nos impressionamos com imitações toscas compartilhadas por
WhatsApp. Como as pessoas que combatem boatos dirão ao público que não acredite
automaticamente em vídeos, áudios ou imagens?”
Alguns têm chamado estes tempos
de desinformação de pós-verdade, seja lá o que isso signifique. Isto se deve à dificuldade
cada vez maior de definir o que é verdade e o que não é e à desvalorização da versão
que mais poderia se aproximar de algo verdadeiro, apoiada em bases científicas,
por exemplo, diante de uma falácia.
Como se proteger?
A melhor maneira de se proteger
contra a desinformação é não assumir como verdade absoluta tudo, ou nada,
que se recebe pela internet e por outros meios. A pesquisa e o reconhecimento
de fontes confiáveis tornou-se crucial neste festival de mentiras e factoides que
nos bombardeia diariamente.
As fontes mais confiáveis são
as acadêmicas, surgidas de pesquisas sérias, longas e multidisciplinares,
referendadas por autoridades no assunto em questão. Mas não só.
É importante comparar teorias,
autores e experiências, buscar opinião contrária, despir-se do ódio, do
preconceito, da frustração e da mediocridade.
E ainda é válida a boa e velha
intuição.
BURGOS, Pedro. A guerra contra a desinformação deve ficar
ainda mais difícil. Época, 2019. Disponível em https://epoca.globo.com/coluna-a-guerra-contra-desinformacao-deve-ficar-ainda-mais-dificil-23961914