sábado, 27 de junho de 2020

A INCRÍVEL HISTÓRIA DA MULHER QUE REJUVENESCIA





Aquela mulher acordava invariavelmente às 7 horas, nos 7 dias da semana. Aquela mulher levantava e começava seu ritual diário, sempre igual: banheiro, espelho, cozinha, café, louça, rua, trabalho…

Trabalhava no mesmo lugar há muitos anos e em todos estes anos nunca mudou o caminho que fazia. Sempre ia de casa até o trabalho e voltava pelo mesmo caminho. Nem no dia da enchente, quando as ruas ficaram completamente alagadas, ela mudou seu trajeto, insistiu no mesmo caminho e quase foi carregada pelas águas. Chegou em casa molhada, irritada, amaldiçoando a chuva e a cidade.


Há anos, a mesma casa, o mesmo bairro, a mesma rua, a mesma rotina, as mesmas comidas, as mesmas colegas e amigos, as mesmas preocupações, o mesmo namorado e até o mesmo sexo. Ano após ano a mesma coisa, nem sequer percebeu que a velha casa da mais idosa e solitária vizinha da rua havia caído de tão velha e podre. Quando se deu conta, já havia um prédio no lugar da casa.

Todo ano vendia parte das férias para pagar dívidas, não tinha dinheiro para viajar, seu único lazer era assistir aos programas de televisão à noite e nos finais de semana. Não gostava de ler nem de pessoas diferentes, com quem não estava acostumada, e era principalmente resistente àquelas com hábitos e aparência diferentes do que ela considerava normal.

Em virtude desse modo de vida, passou a sentir medo. Os anos passavam e ela sentia cada vez mais medo. Medo da rua, de ficar sozinha em casa, das pessoas, do que podiam dizer ou pensar dela, de perder o emprego, de não poder pagar as contas, medo de ser assaltada, de perder o controle da sua vida e medo de morrer sozinha. Perdeu o namorado, foi assaltada duas vezes e sua casa foi arrombada, invadida e roubada, apesar de todas as trancas, cadeados e do alarme que ela mantinha neuroticamente bem cuidados.

Definitivamente, dizia o espelho a cada manhã, ela estava envelhecendo. Não sentia mais muita vontade de viver, sentia dores, fraqueza, irritabilidade, desânimo. Tinha prisão de ventre.

Mas um dia, não se sabe por que cargas d’água, algo nela começou a mudar. Dizem algumas pessoas que a conheciam que sua vida mudou depois que ela passou a ler um certo blog na internet, com nome muito estranho: In-versões. Seus amigos não viram isso com bons olhos. E é claro que era porque não tinham bons olhos para ver.

A tal mulher resolveu que não queria mais viver daquele jeito e que nunca mais teria dois dias iguais na vida, faria sempre tudo diferente. O relógio que sempre despertava às 7 horas, deixou de despertar. Ela acordava 6:30, 5:00, 4:00, às 8:00… Às vezes ia primeiro para o banheiro, outro dia ia primeiro para a cozinha, tomar café no quintal, se espreguiçar e brincar com o cachorro no jardim ou correr na praia. Quando acordava às 4 ou 5 horas da madrugada ia pedalar, assistir filmes, ler, escrever ou navegar na web. Cada dia era um novo dia, mesmo.

No trabalho, mudava tudo quanto fosse possível. No almoço, à noite, finais de semana, passou a brincar de ser criativa, criando movimentos conscientes na sua vida. Passou a se divertir e a prestar mais atenção ao seu redor. Percebeu que era mais fácil fazer tudo diferente todos os dias do que viver sempre na rotina esmagadora e cruel. Estava aprendendo que movimento é vida e que a rotina morava em si e não no mundo exterior, aprendeu que era ela quem fazia a rotina chata na maneira como vivia antes.

Quando completou um ano vivendo desse novo jeito, já se sentia muito bem, feliz, livre, e aprendeu a ter coragem e autoconfiança. Se um trabalho começasse a ficar monótono e lhe deixasse de ser prazeroso, ela mudava. Ao invés de ter medo de mudar, viciou-se em mudanças. O novo, a adrenalina, o desconhecido a excitava, devolvia-lhe o tesão de viver. Sentia movimento no corpo inteiro, pulsava.

Sentia-se tão bem que notara sua pele mais saudável, seu cabelo mais viçoso e parecia até que as rugas tinham diminuído. Continuou vivendo assim e dois anos depois se sentia ainda melhor. Seguiu vivendo intensamente, enxergando a novidade que há em cada novo dia e nem os móveis da casa paravam muito tempo no mesmo lugar.

Aos poucos foi deixando de se preocupar com rótulos, preconceitos e estereótipos, o que importava agora era fazer o que queria, com quem queria, no momento e no lugar que tivesse vontade, embora sempre mantendo o respeito pelos seus semelhantes e pela natureza. Largou o grande fardo das culpas e cobranças e aprendeu a amar indistintamente. Sempre tinha tempo para um trabalho voluntário, fosse em prol de pessoas, de animais ou da natureza em geral. Sempre exercia estes trabalhos com amor e prazer, e isto lhe dava uma injeção de ânimo, de alegria e satisfação.

Aquela mulher foi se despindo dos tabus, foi largando todo o estresse da vida comum e criou um mundo novo para si, uma forma de viver diferente. Percebeu que da maneira como vivia antes tinha parado, pois fazia sempre a mesma coisa, estava sempre no mesmo lugar. Agora a vida havia voltado a andar, a vida voltou a se movimentar e a se manifestar nela. E, aos 60 anos, aquela mulher já parecia ter apenas uns 40, não somente pela forma como se sentia, mas de fato sua aparência havia rejuvenescido bastante.

A mulher estava completamente adaptada a viver assim e já era motivo de comentários e espanto entre amigos, parentes e vizinhos, pois ela claramente estava rejuvenescendo de forma inexplicável. Quando fez 70 anos, tinha a aparência e a saúde de uma mulher de 45. A família estava assustada, pensando ser alguma anomalia, alguma magia, começaram a perguntar o que seria se ela continuasse rejuvenescendo. Até a televisão passou a acompanhar a vida dela e apresentar as conhecidas imagens do antes e depois, que mostravam que aos 50 parecia mais velha do que quando completou 70 anos.

Ninguém acreditava na sua história, quando explicava de que forma sua vida mudou. E mantinham-se as especulações sobre qual seria o produto ou tratamento cosmético que ela estaria utilizando. Mas física e mentalmente, a cada dia ela ficava melhor, desde que não deixasse de ter prazer nas coisas mais simples da vida, mantendo a capacidade de se surpreender e ver beleza em tudo, quase como uma criança.

Mais alguns anos passaram e aquela mulher continuava rejuvenescendo, sem apresentar nenhum mal físico, doença ou reclamação. As pessoas, sem entender, a chamavam agora de bruxa, afastavam-se dela com medo e a difamavam. Foi perseguida por todos, menos pelas crianças. Até que teve que se afastar do lugar onde era conhecida, passou a evitar dizer sua idade ou contar a sua história, mas continuou amando a vida em seus mínimos detalhes.

Na cidade onde ela viveu por muitos anos, manteve-se a lenda da mulher bruxa e esquisita, que alguns diziam ter sido abduzida por alienígenas e outros garantiam que ela tinha feito pacto com o diabo para não envelhecer.

Mas agora, leitoras e leitores, conto a verdade para vocês. Somente nós conhecemos o segredo daquela mulher, que descobriu como mudar o seu mundo e a si mesma. Descobriu como vencer o envelhecimento e que ele surge é de dentro para fora e não de fora para dentro. Ela descobriu que a decrepitude pode ser evitada e vencida, não com a indústria da beleza cosmética ou farmacêutica, mas com VIDA. O que eu sei dela, contei para vocês.

Quer saber qual foi o fim daquela mulher? Pois bem, eu não sei que fim levou aquela mulher nem se teve um fim. Há quem diga que ela ainda vive e jamais morrerá, e que está tão jovem e bela que precisa mudar de cidade de tempos em tempos para não ser perseguida. Quem quiser saber mais sobre este estranho caso terá que experimentar viver como ela viveu. Ou vive?

Este artigo é de minha autoria, como todos os outros deste blog, mas foi publicado originalmente no site https://medictando.com/ 

domingo, 29 de março de 2020

A REVOLUÇÃO DO VÍRUS


Ou o vírus da revolução



Crises são ótimas para aprender e mudar. Dificilmente acontecem mudanças significativas de forma espontânea. Às vezes é preciso um empurrãozinho, ou um pé na bunda, mesmo.

Esta, em especial, apensar da tragédia de tantas mortes, têm sido “ótima” pra desvendar um aspecto bem interessante da nossa organização social.

A impressão que se tem, no nosso dia-a-dia, é que vivemos todos juntos em harmonia. Que nossa vida real é trabalhar e ganhar nosso sustento e da nossa família. E que fazemos isso porque somos livres e escolhemos. Mas você já parou para pensar que isso pode não ser bem verdade?

Veja a divisão das fotos.

O Lado A mostra condomínios de luxo, em área nobre, caríssimos até de chegar perto. Só de passar pela frente ficamos ainda mais pobres.

O lado B mostra a periferia pobre, um bairro carente, uma comunidade, uma favela, o nome não muda o que ela é e como se vive ali.

A distância, a diferença entre o Lado A e o lado B é estratosférica, incalculável, inimaginável.

Com a atual crise do corona vírus, com a quarentena e a ameaça de morte pela doença de um lado e a crise financeira do outro, surgiram algumas interpretações.


Interpretação 1

O Lado A é mau, como está no conforto e não vai passar falta, quer que a quarentena continue, por isso está pressionando os meios de comunicação pela manutenção da quarentena.

Já o lado B precisa pagar as contas e alimentar os filhos, quer voltar a trabalhar, precisa que a quarentena acabe. Ainda mais que o agravamento da crise financeira pode causar mais desemprego e fome.

Desta forma, os governantes que querem o retorno das atividades estão a favor do lado B (dos pobres) e os governantes que querem a manutenção da quarentena estão a favor do Lado A (dos ricos).

Interpretação 2

O Lado A é bom, está preocupado com a crise financeira e o aumento do desemprego, quer o retorno das atividades normais, para que possam salvar seus negócios, suas empresas e os empregos dos do lado B. E para que quem é do lado B possa voltar ao trabalho, garantir seu emprego, sua sobrevivência e o bem estar da sua família.

Como o lado B sente que precisa mesmo voltar a trabalhar, junta-se o útil ao útil. É bom para todo mundo. Todos juntos unidos salvando a economia do país e a de casa.

Ah, mas e o vírus, gente?

Bom, o vírus existe (para alguns, para outros não), é um problema e alguns morrerão, mas é um percentual aceitável diante de toda a população que sofreria com os efeitos da crise.

Estas são versões criadas por quem detém os meios e as ferramentas para disseminar as ideias. O lado B é obediente: se disserem que é grave e tem que ficar em casa, sem salário, irão ficar até as últimas consequência e ainda farão uma corrente de solidariedade para ajudar os vizinhos mais necessitados. Já estão acostumados com crise, dificuldade e necessidade, são criativos e capazes de criarem saídas para irem contornando as carências. Claro que não sem muito sofrimento e percalços, nada é um mar de rosas.

Mas quem é que compõe o Lado A e quem é que compõe o lado B?



No Lado A estão os grandões e poderosos, donos da riqueza e do luxo, das grandes companhias, dos conglomerados empresariais, os financistas, milionários, bilionários, megainvestidores. No Lado A estão “os Pão de Açúcar”, “os Itaú”, “os Santander”, “os Bradesco”, “os Rede Globo”, os donos das financeiras e das seguradoras que seguram as financeiras e os bancos. Os donos das construtoras, das petrolíferas, das distribuidoras, das farmacêuticas, dos estaleiros, dos navios, das companhias aéreas...

No Lado A estão aqueles que sua riqueza não tem fronteiras nem idioma e que podem mudar as leis de um país para se beneficiarem. Lá moram os donos dos políticos, de todos os políticos de todos partidos de todos os níveis do “poder público”. Lá moram os donos dos juízes, das polícias e das religiões.

Se você é um empresário que pode comprar alguns deputados e senadores e juízes e mudar a lei de um país para beneficiar suas empresas então vou chamar você de “rico do Lado A”.

Não? Não tem este poder? Então você é pobre, está no lado B junto com todos os outros. No lado B tem a faxineira separada que tem 4 filhos menores de idade, mas já tem 4 netos e come uma vez por dia para poder alimentar os outros. Tem o dono do mercadinho que tem um HB 20 e viaja nas férias. Tem o operário que tem uma filha na faculdade, tem o dono da lojinha, da vidraçaria, tem o chaveiro e o pedreiro. No lado B tem a professora, o vendedor e o artesão. No lado B também estão alguns vereadores, prefeitos e deputados, os policiais, os bombeiros, servidores públicos.

O Lado A é o lado do 1%. O lado B é o lado dos 99%.

No Lado A estão os donos do capital, da produção e dos produtos.

No lado B estão os que produzem e por produzirem recebem uma quantia (mínima possível, para que não sobre e não haja acúmulo ou enriquecimento) para que possam pagar seus impostos e consumirem. O que ganham retorna uma parte para o Estado e a outra parte para o pessoal do Lado A.

Ah, mas o Lado A também paga seus impostos. Paga, é verdade, proporcionalmente menos em relação aos do lado B, repassam no preço dos seus produtos para o consumidor pagar, ou seja, os do lado B, abatem com artimanhas fiscais, sonegam na cara dura e seus advogados vão rolando a dívida (conseguindo renegociar com centenas de nãos para pagar, como uns e outros).

Assim que nesta crise, quando tudo e todos pararam de produzir e de consumir, mesmo por pouco tempo, o Lado A e o Estado sentiram na pele o peso e a importância do povão do lado B, dos 99%.

Dona Maria não foi fabricar as calças jeans de marca para o patrão e não foi comprar calças jeans no atacadão. Não produziu riqueza para o dono da fábrica nem para o dono da loja nem para o Estado, na forma de impostos. E para piorar, se a quarentena continuar, vai precisar de auxílio, do Estado, é claro, porque do patrão não vem nada mesmo. Aliás o patrão da dona Maria reclamou com o Estado que está tendo prejuízo e precisa de auxílio financeiro senão vai demitir e pode até falir. O dono da lojinha fez a mesma coisa e o banco que tinha para receber dos três também reclamou com o Estado que precisa de ajuda, senão vai repassar seu prejuízo para alguém. Prejuízo não, queda nos lucros estratosféricos.

O Lado A, vendo que a sua dependência do lado B estava prestes a ficar evidente, vendo seus lucros diminuírem, ouvindo a reclamação dos acionistas e investidores com a queda das suas ações na bolsa, começam a pressionar o poder público (aqueles que precisam de pressão, porque alguns não precisam) para cancelar a quarentena e deixar tudo andar normalmente.

Dana Maria, o lado B, precisa voltar para a rua para continuar produzindo a riqueza do Lado A.

É aqui que as coisas deveriam se inverter, lado A (com letra minúscula) e Lado B (com letra maiúscula).

O lado A precisava mobilizar o Lado B para ajudar na campanha “salve a economia”. E a melhor maneira de fazer isso é usando os velhos e conhecidos artifícios, que vêm sendo usados pelas religiões protestantes há bastante tempo: o medo e a ganância (na ignorância). O medo de perder o emprego, de passar fome, de ficar inadimplente, do que os outros irão dizer e a possibilidade de voltar a comprar.

O Lado B aceita a narrativa e até se sente culpado por estar ameaçando a economia brasileira ficando em casa.

O Estado abre, autoriza a volta das atividades e quem vai para a carreata comemorar é o carrão importado de tanque cheio, carregando a perua emperiquitada.

O lado A respirou aliviado, é claro que festejou dentro dos carrões: o lucro deles  está salvo, o status quo está garantido e os 99% não perceberam que a riqueza e o poder do lado A estão nas mãos deles.

Mas e o vírus? E as mortes?

Bom, são perdas inevitáveis para um bem maior. Não é assim?

E o que teria acontecido se todo o Lado B continuasse em casa, sem produzir e sem comprar nada, tudo fechado, tudo parado, quarentena total, por um longo tempo?

Ah, o país viraria um caos, muita fome e muitas mortes.

Só no ano passado, 2019, nós pagamos 1 trilhão e 537 bilhões em impostos. O Lado B parado tem condições (e o dever moral) de pressionar o Estado para que parte desta riqueza seja usada para sustentá-los com dignidade.
Imagine o tamanho do valor do consumo do Lado B.

Imagine o quanto os 99% consomem dos produtos e serviços dos patrões do lado A.

Perdurando a situação de paralização, o próprio lado A pressiona o Estado para injetar dinheiro no lado B. Como já começou a fazer.

O governo disse 200,00, o congresso disse 600,00 podendo chegar a 1.200,00. E quem é o dono dos congressistas? O lado A.

Perdurando a paralisação a forma de ganho e as relações de trabalho poderão ser negociadas. Pois eles não terão outra saída e são gananciosos demais para abrirem mão de suas riquezas. Pois se todos continuarem parados e tudo continuar fechado o dinheiro deles derrete, perde todo o valor. Melhor dividir e salvar uma parte.

Por exemplo:

vaga que um trabalhador ocupa, divide a carga horária, sem diminuir o salário, e emprega mais um. Diminui drasticamente o desemprego e coloca mais gente consumindo mais e pagando mais impostos. (não, não terão prejuízo, terão, talvez, um lucro menor, o que é ótimo, distribuição de renda, diminuição da desigualdade social, já que quem produz mesmo e consome é quem trabalha, além disso o Estado pode dar a sua contribuição de diversas formas).

E é o momento ideal para dar esta lição.

Trata-se de uma pandemia, de uma emergência de saúde, ninguém estará desobedecendo nem fazendo greve.

Imagine por um momento, partindo daquele número ali, do valor arrecadado em impostos em 2019, todos os anos em que isso vem acontecendo.

Agora lembre-se de que este valor é somente de impostos pagos, lembre-se de toda a produção do país, das exportações, das mamatas, das mordomias de políticos e juízes.

Agora imagine o tamanho da riqueza que está acumulada nas mãos do lado A, pense no lucro dos bancos.

Agora lembre-se que tudo isso é produzido por você e roubado por eles.
Não teria mesmo como o Estado e o lado A distribuírem melhor toda esta riqueza que você produz?

Ninguém os quer na miséria, apenas se pede uma distribuição mais justa, todos podem estar empregados, todos trabalhando, todos ganhando melhor.
Você acha isto errado?

E como você vive?

Ainda agradecendo a Deus e pagando o dízimo? Manso feito uma ovelhinha branca? Feito cordeirinho?

É justamente isso que eles querem, é disso que eles precisam, ainda sugam suas últimas gotas de suor e de sangue explorando a sua fé.

Agradeça a Deus, mas lute. Seja grato, mas rebele-se contra as injustiças, você não estará fazendo só por si, estará fazendo pelos desempregados, pelos famintos, pelos mais desfavorecidos que você, pelos que estão por vir, pelos seus descendentes, pelo futuro.

Converse, convença, compartilhe este texto, explique que todo poder e toda a riqueza é produzida por nós e, portanto, nos pertence. E eles sabem disso, por isso querem tanto que você volte, que arrisque a sua vida e a da sua família para produzir a riqueza deles e para voltar a comprar e consumir.
Já não basta os dias, as horas, os anos e a vida que você dá a eles? O tempo longe dos filhos, os desaforos, as humilhações, a exploração, a desigualdade injusta?

Querem que você morra fazendo riqueza para eles e depois de você eles terão seus filhos e netos, que já estão sendo preparados para isso, pela escola e por você mesmo.

Quebre a roda.
Quebremos a roda. 
O vírus nos deu a fórmula. 



terça-feira, 24 de março de 2020

O VÍRUS

Em um futuro possível


Certa vez, há muitos e muitos anos, lá no longínquo ano de 2020, aconteceu algo que mudou a história e deu início ao mundo que temos hoje.

De repente, o cão que corria atrás do próprio rabo para resolver seus problemas parou. Foi assim que ele descobriu que era tudo bem mais fácil, bastava não fazer nada.

Às vezes é assim mesmo, é não fazendo nada que se faz muita coisa. É a inatividade a melhor ação. Pode-se vencer uma guerra ficando em casa, não lutando.

As filas acabaram; os engarrafamentos sumiram; a pressa cessou; o tempo sobrou; as famílias se uniram.

A queima de combustíveis fósseis e a emissão de gases poluentes diminuíram drasticamente. O grande problema da poluição se resolvia e o planeta respirava melhor.

As pessoas, se distanciando, se aproximaram. Socorreram os aflitos; curaram os enfermos; abrigaram os sem-teto; assistiram os carentes; alimentaram os famintos; amaram, de verdade, em ação, os seus velhos; cuidaram das suas crianças; ajudaram as esposas, os vizinhos e até os animais.

Buscaram mais os livros e menos os bares; contemplaram mais a arte e os olhares; foram criativos, cantaram nas janelas, floriram os terraços, aplaudiram nas varandas. Levantaram a moral, derrubaram a ansiedade, superaram a depressão, o medo, a insegurança.


Os pais foram brincar com seus filhos; os casais se olharam e trocaram carinhos sem pressa; os irmãos foram ser irmãos; pais e mães ouviram palavras de amor; vovôs e vovós sentavam com toda a família ao redor da mesa e todos tiveram tempo para se olharem nos olhos e falarem de sentimentos.

Um mísero, minúsculo ser, um vírus pequenino e mortal ensinou o rei do Universo, o dono da vida, a viver. A humanidade espiritualizou-se e aproximou-se mais dos seus deuses sem precisar dos templos, das religiões, dos suntuosos salões, dos rituais, dos espetáculos, de exibicionismo ou dinheiro.

E quando a máquina parou, o homem descobriu que era, ele próprio, o combustível mais precioso, que a tudo movia. A força motriz de toda a maquinaria criada para enriquecer a poucos. Aprendeu então que, como força geradora e principal, podia destruir aquela máquina maldita e criar outra, que enriqueceria a todos, de vida e liberdade.

Quando o simples trabalhador parou, a bolsa caiu, o rico patrão despencou, o financista faliu, o multimilionário quebrou, o castelo de ouro ruiu. Não tinham a quem buscar, a quem recorrer, não tinham mais riqueza e o que acumularam nada mais valia. Porque o trabalhador parou de produzir para eles e de comprar deles. Foi viver. Retiraram as coleiras, os drenos das veias que alimentavam os ricos parasitas, sanguessugas. Poder e riqueza derreteram, quando o simples e pobre operário parou em casa.


Naquele ano, foi oferecida ao homem duas pílulas, uma que o manteria na ilusão e outra que lhe abriria os olhos, que lhe daria consciência da matriz em que existia desgraçadamente, ao invés de viver. Enfim, o prelúdio da liberdade e da justiça.

Naquele ano, por causa daquele vírus, foi nos dada a chance de aprender que não é o homem que precisa da riqueza, é a riqueza que precisa do homem. Não é você que precisa do patrão, é ele que depende de você. Não é você que precisa do dinheiro, é ele que precisa de você, sem você ele não é, não tem valor algum. Não é você que precisa de religião, é ela que precisa de você. Você não tem que correr atrás da máquina, é ela que tem que correr atrás de você, pois sem você ela para, enferruja e quebra.


Um vírus levantou barreiras, mas derrubou orgulhos, vaidades e até governos. Se por um lado nos matava, por outro nos abria os olhos, levantava o véu e nos oferecia outro modo de vida.

O vírus baixou as atualizações de humanidade, depende de nós instalá-las ou não.



segunda-feira, 16 de março de 2020

Quem quer ser um super-herói?




“Não sabendo que era impossível, ele foi lá e fez.”
                                                             Jean Cocteau


Sabe aquela pessoa que passa 15, 20, 30 anos no mesmo emprego, morando na mesma rua, frequentando os mesmos lugares?

Pois é, ele era assim. Ele era uma destas pessoas.

Não sei você, mas eu já vi pessoas assim falarem com orgulho que estão há 30 anos no mesmo trabalho, fazendo as mesmas coisas, vivendo do mesmo jeito.

Não entendo como isso é possível e como um ser humano pode se orgulhar de uma desgraça desta.

Acho que quem vive muito tempo do mesmo jeito, frequentando os mesmos lugares e pensando do mesmo modo já parou de viver sem deixar de existir. Não há mudança, não há progresso, não há crescimento, não há transformação, nada.

Apesar de ele trabalhar há 16 anos em um emprego medíocre, em um subsolo escuro, de ser uma pessoa solitária, metódica, medrosa, ele acalentava no fundo de sua alma o sonho de ser diferente, o sonho de que era um aventureiro corajoso, um homem de inciativa, destemido, com atitude, um revolucionário admirado.

De vez em quando ele tinha uma espécie de apagamento, ficava imaginando ser um tipo de super-herói, realizando alguma proeza, alguma aventura. Imaginava-se um homem corajoso, de iniciativa, sedutor e que a mulher por quem ele nutria uma paixão secreta se enchia de admiração por ele e se entregava em seus braços apaixonada.

Vai, confessa, você reconhece isto, talvez até já tenha se imaginado assim.

Ele se imaginava fazendo o contrário do que fazia no seu dia-a-dia, porque agia com medo, com timidez e com baixa autoestima. Achava que uma vida interessante só era possível para aqueles que tinham algo especial, não para ele, que era só uma pessoa comum, sem dinheiro nem dons especiais.

Refiro-me ao protagonista e à trama do filme A Vida Secreta de Walter Mitty, de 2013, que conta a história de um simples encarregado da seção de negativos de uma revista. Ele permaneceu no mesmo emprego por 16 anos e não viveu nenhuma aventura do tipo que ele imaginava.

Por outro lado, ele era muito bom no seu trabalho, dedicado e competente. O que ele fazia garantia a fama e o sucesso do fotógrafo e da revista, mas ele mesmo não aparecia, vivia em ambientes com pouca luz, lidando com negativos de fotografias, em completo anonimato. O patrão e os colegas de cargos mais altos e interessantes o depreciavam por isso e ele mesmo se desvalorizava.

Certo dia sumiu o negativo da foto que seria a última capa da revista, uma foto histórica, que prometia encerrar a existência da revista em grande estilo.
Walter Mitty então resolveu ir atrás do fotógrafo para saber o que havia acontecido com aquele negativo, mas o fotógrafo vivia viajando pelo mundo. 


Foi aí que, movido por grande curiosidade, juntando toda a coragem que conseguiu reunir, indo contra a vontade do seu chefe, que o ridicularizou e humilhou diante dos seus colegas de trabalho, algumas mudanças e descobertas aconteceram.  Meio no susto, é verdade, quase que por acaso, mas a vida é assim mesmo, para apanhar sol, ou chuva, só é preciso sair de dentro de casa.

Na pista do fotografo ele foi para a Groenlândia, lá subiu num helicóptero com um piloto bêbado para chegar num navio, pulou no mar, brigou com um tubarão, foi resgatado pelo navio, navegou até a Islândia, escapou da erupção de um vulcão e não encontrando o fotógrafo voltou para casa. Foi demitido da revista.

Em casa, com sua mãe, descobriu que o fotógrafo estava no Afeganistão, na Cordilheira do Himalaia, para fotografar uma espécie rara de tigre, e foi para lá.

Depois de uma longa viagem, encontrou-se com o fotógrafo e descobriu que o negativo da foto que procurava estava na casa dele mesmo, dentro de uma carteira de couro que o fotógrafo havia mandado para ele de presente e que ele havia jogado no lixo.

Paramos por aqui o spoiler, porque vale a pena assistir ao filme, além da linda história, tem cenas engraçadas, trilha sonora linda e fotografia de tirar o fôlego.

Ao final do filme, vem a frase de Jean Cocteau na cabeça da gente: “Ele não sabia que era impossível. Foi lá e fez”.

A lição


Walter Mitty venceu o medo, soltou as amarras que ele mesmo criou para si, tomou a decisão de fazer e então fez.

Mas fez a partir da sua humildade, da sua responsabilidade e paixão em realizar o trabalho que amava.

Não fez para ficar famoso ou rico, fez por amor, por paixão, e então se enriqueceu.

Ele descobriu que era capaz de realizar o que quisesse, até as mais inusitadas aventuras. E precisou apenas de um primeiro passo, uma primeira decisão.

Tudo o que ele imaginava nos seus apagamentos imaginativos, nas suas viagens mentais, acabou acontecendo, porque “a imaginação é mais poderosa do que o conhecimento”, disse Albert Einstein.

Quando somos crianças é comum brincarmos de super-heróis e nos imaginarmos realizando as maravilhas que os super-heróis das telas e dos quadrinhos realizam. Mais tarde, na adolescência, seguimos imaginando que realizaremos coisas incríveis “quando crescer”, quando ficarmos independentes.

Depois de adultos somos engolidos pelas responsabilidades, pela rotina, pelo cotidiano, pelo medo, pela ganância, pelas dúvidas, pela insegurança e acabamos deixando morrer os sonhos e a imaginação.

A lição de Walter Mitty é que cada pessoa tem em si um super-herói, não como dos quadrinhos da infância, mas como ser humano, sempre que busca o que ama com amor, coragem e dedicação, não se deixando desvalorizar, jamais, nem por outros nem por si mesmo.

Se o fotógrafo era famoso e aventureiro, era também por causa daquele que cuidava de forma primorosa dos negativos das suas fotos. Ninguém é super-herói sozinho, mas no ato de compartilhar a vida todos somos, não importa a função que temos.

Walter Mitty descobriu que o potencial para o extraordinário estava dentro dele e só podia ser libertado por ele mesmo. Sem esta convicção de nada adiantava o mundo oferecer a ele as oportunidades mais incríveis e com ela até o mais singelo pode se tornar uma grande aventura.

Vivemos em uma era em que há muitos exemplos reais de que a vida pode ser extraordinária se a gente soltar as amarras e dar o primeiro passo, acreditar e perseguir nossos sonhos.

Às vezes será necessário uma ou duas doses de rebeldia, ousadia e coragem, como foi para Walter Mitty, ou passaremos toda uma vida nos porões dos nossos medos, de nossas inseguranças, das amarras e das limitações que a sociedade nos coloca e que nós mesmo colocamos em nossa mente.

E é verdade que o  Universo conspira para a realização dos sonhos daqueles que não desistem deles e vão em busca com força e vontade inquebrantável.

E estes são super-heróis para si mesmos.


sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

A MORTE DA VERDADE (não li o livro de Michiko Kakutani e este artigo não é baseado nele)



Um é dois, diferente para cada um.



Há poucos dias Alice foi visitar Sérgio, ficou lá por cerca de 2 horas e almoçaram juntos. Foram casados por cerca de 5 anos e estão separados há mais de 20, uma separação conflituosa.

Para Sérgio,  aquela era uma visita desagradável, que ele preferia não ter que receber, mas como a casa não era sua, não teve como negar. Sérgio apenas suportou, com sentimento de asco, mas tratou Alice com educação, ainda que desejasse o contrário. Ficou aliviado com o fim da visita e a saída de Alice.

Sérgio entende que se no mundo há mais de 7 bilhões de habitantes e bastante espaço, ninguém precisa estar com quem não gosta, com quem não lhe faz bem, com quem lhe causa repulsa. Não vê necessidade de aproximação ou de trabalhar resgates de relacionamentos saturados, que já adoeceram e morreram.

Para Alice, foi um encontro de resgate e de perdão, como ela mesma relatou a um amigo pouco depois de sair de lá. Entendeu a postura de Sérgio como de constrangimento diante da força de seu olhar e da sua presença e não de repulsa. Leu o semblante de Sérgio como de sofrimento pelas dificuldades que havia passado e não como asco. Saiu feliz e satisfeita com a visita, à qual atribuiu leveza por causa de uma seção místico-psíquica que havia realizado com um terapeuta, há algum tempo, a centenas de quilômetros dali.
Talvez um destes dois insista em dizer que a sua versão é a verdade. Talvez alguém diga que cada um tem a sua verdade e outro ainda afirme que entre uma e outra há uma verdade absoluta e independente da interpretação que cada um possa fazer.
Opiniões, apenas isso: opiniões.

Leituras, são só leituras.


Um evento que envolveu duas pessoas e cada uma fez a sua leitura, de forma que pudesse se sentir bem e que pudesse acomodar a situação em si da melhor forma, ou da forma que lhe foi possível. E foi assim porque não poderia ter sido diferente, tudo ocorreu dentro das condições de cada ator.

Leituras, é isso o que fazemos, dentro da condição que temos fazemos leitura das situações, das pessoas, do mundo, da vida e de nós mesmos, da forma mais conveniente possível para nós.

Há duas expressões já muito gastas que prefiro não utilizar: “com certeza” e “na verdade”. Não gosto nem de uma nem de outra, mas elas vêm sendo utilizadas à exaustão faz algum tempo, ao ponto de saturação. São indicativas de que seres humanos necessitam pensar em termos de certezas e verdades. Minha leitura pessoal.

Algumas vezes posso aceitar que é a minha verdade e não a do outro. Mas ainda assim tenho a inclinação de querer que ela seja assumida pelos demais, que seja a verdade predominante. Outras vezes posso querer impor minha verdade aos outros. Sendo que nem sequer ela existe, apenas a leitura feita em um dado momento por um certo indivíduo.

Fiquei surpreso quando aprendi que nem o que vejo diante dos meus olhos é a verdade. Se vejo uma árvore não estou vendo uma árvore, não estou recebendo a verdade daquela árvore, a sua integralidade, estou apenas recebendo luz refletida nela. Meus olhos inclusive a recebem em um sentido, de cabeça para baixo, por exemplo, e meu cérebro é que vira, que interpreta, que faz a leitura de uma forma que me seja possível entender aquilo, aquela luz que me chega, não a árvore.

Talvez meu tato, paladar, olfato e minha audição se aproximem mais da verdade da árvore do que a minha visão. No entanto, confio muito mais no que vejo, sou escravo da visão, supervalorizo este  sentido em detrimento dos outros, e de outros.

Este é um aspecto da morte da verdade: ela não existe como valor absoluto.
Mas alguém poderia argumentar que existe sim, que a leitura que cada um faz é a sua verdade. Ainda assim é apenas uma leitura possível, pois para uma mesma pessoa outras leituras são possíveis, até mesmo contrárias àquela feita anteriormente.

Não há verdade imutável, mas relativa. Em outro momento, em outra situação, com outros sentimentos e informações tanto Alice como Sérgio leriam o mesmo evento de forma totalmente diferente e a verdade deles seria outra.

Ora, mas há realidades que são verdades imutáveis, uma rocha é uma rocha, é dura e não se move. Não, não necessariamente, depende em relação a que, depende de qual ponto de vista se lê.

Uma rocha se move o tempo todo, pois é feita de átomos e não existe átomo parado em condições naturais. Ela não se move aos nossos olhos, para a percepção dos nossos sentidos, mas em si está se movendo.

E ela não é maciça e dura, é uma renda, cheia de espaços vazios por onde é possível atravessar. Assim como nosso corpo ou uma chapa de aço. Para vermos assim bastaria que diminuíssemos bastante de tamanho. Então nosso corpo é sólido, a chapa de aço e a rocha também, mas para nós, para nossos olhos, para nosso tamanho. Se fôssemos do tamanho de uma bactéria veríamos nosso corpo como vemos as estrelas no céu, a via láctea.

Leituras possíveis de acordo com o ponto de vista.

A segunda morte da verdade.


A humanidade já teve inúmeras certezas e verdades que, com o tempo e a ciência, se mostraram verdadeiros absurdos. Nada garante que não estejamos repetindo o mesmo erro.

Porém há outro aspecto da morte da verdade, típico da pós-modernidade.
Talvez estejamos vivendo um momento de instabilidade, de transição entre uma humanidade que acreditava em verdades absolutas e uma humanidade que sabe que elas não existem, que aprendeu a viver com inconstâncias e incertezas, que sabe que tudo é apenas leitura, instável, fútil e transitória, ainda que dure mil anos.

Refiro-me ao extremismo próprio deste momento de transição. Em que a humanidade começa a entender que cada um tem a sua verdade, que ela deve ser respeitada, mas que também pode mudar a qualquer momento, é relativa e não absoluta.

Soma-se a isso a possibilidade de manifestar-se e de compartilhar essas leituras, como verdades próprias, para milhares de pessoas em todo o mundo.
Uma criança que não sabe o que fazer direito com o brinquedo novo tão evoluído.

Então temos um fato histórico comprovado cientificamente, por exemplo, a viagem de Cristóvão Colombo e sua chegada ao continente americano.
As leituras daqueles eventos mudam e podem ser extremamente diferentes. Múltiplas interpretações sobre as viagens e descobertas de Colombo, ou de Cabral, são possíveis, mas negar integralmente a existência de que algo deste tipo aconteceu é uma postura extrema e uma escolha individual temerosa.

Assim como é extremo e temeroso alguém afirmar, no século XXI, que a terra é um disco plano e dizer que isto é verdade porque é a sua verdade e tem o direito de fazer tal afirmação.

OK. Está certo. A pessoa tem todo o direito de crer nisso sem ser internada por uma patologia psíquica. Talvez possa afirmar também que holocausto nunca existiu, que nenhum judeu foi morto, que no mundo nunca houve escravidão.

Comportamento típico de quem está aprendendo a lidar com a liberdade de fazer leituras e escolhas, mas não está sabendo lidar muito bem com isso. Descobrimos recentemente que podemos escolher em que acreditar, que somos nós que escolhemos o que é verdade, conforme for mais conveniente para nós, independente do que existe no mundo.

Mas ao experimentar este novo mundo, além de aprender a fazer escolhas, humanos tendem a forçar a barra para impor suas escolha e interpretação aos outros e demonizam todo aquele que não compartilha da mesma visão, que discorda.  

É neste estágio que estamos. Aprendendo a lidar com a liberdade de escolher nossas verdades, ainda em desequilíbrio, indo para extremos, desafiando as possibilidades, cambaleante como criança aprendendo a caminhar.
E, como crianças, estamos experimentando os limites, algumas vezes abraçando absurdos. 

Por isso se tem observado ultimamente comportamentos anti-ciência, parece que se pode ignorá-la, que não precisamos mais dela nem do arcabouço que produziu até agora, pois fazemos escolhas, escolhemos nossas próprias verdades, escolhemos nossas crenças, fabricamos nossas verdades e nossas próprias interpretações, já sabemos andar sozinhos.

É claro que alguns espertalhões já perceberam este momento e estão se aproveitando da ignorância, do automatismo, da má fé de alguns, da ganância, da insegurança e principalmente do medo.

Por isso se estabeleceu uma guerra, não entre verdades, não entre armas, não entre ciências, não entre argumentos ou ideologias, mas entre narrativas, pois o que importa no momento são as narrativas.

A narrativa vencedora é aquela que faz maior séquito, que converte mais, que faz mais crentes, e é isso que proporciona poder, domínio e riqueza aos narradores.

Seus seguidores, dependentes da humana necessidade de verdade, certeza e de conveniência para se sentirem bem, escolhem crer em uma versão, em uma leitura, estabelecendo-a como verdade, independente de quão absurda ela possa ser.

É a criança ainda insegura, que está aprendendo a andar, testando limites e possibilidades, agarrando-se no que for mais conveniente com medo de cair. Estamos no período de transição entre engatinhar e andar com as próprias pernas. Por isso às vezes nos jogamos no chão e voltamos a engatinhar.

O risco de cair existe, é iminente, podemos ser enganados, trapaceados, doutrinados, podemos fazer escolhas equivocadas, tropeçar e desabar escada abaixo, quebrando o próprio pescoço e o de outros.

A criança tem a proteção e ajuda dos pais, no nosso caso, neste período de transição pós-moderna, estamos no meio de pessoas muito más, inescrupulosas, frias, insensíveis.

É bom ficar atento e tomar cuidado com as leituras. Procurar olhar para todos os lados, prestar atenção, não assumir verdades nem certezas de fora impulsiva e imediata só porque parece ser conveniente aos nossos propósitos mais prementes.

É bom aprender o mais rápido possível a conviver com insegurança, com o transitório, com a distância do chão, com a falta de alguém a nos carregar, a nos dirigir, a nos levar pela mão.