Otário
não é quem acredita, é quem mente.
Existem tantas formas de praticar a mentira que eu acho que nem cabem todas aqui.
Mas
vamos lá.
Meu
foco, por causa da minha profissão, costuma ser a linguagem. E ao usar a
palavra “mentira” a gente pensa em algo que alguém disse que não é verdade.
Mas a mentira é mais complexa do que isto
e mentir vai além de dizer inverdades.
Quando
eu ainda lecionava português em escolas, eu era implacável com a cola nas
provas e plágio nos trabalhos.
Aluno
que eu pegava colando, eu tirava a prova e dava zero na hora, não queira nem
saber o que tinha escrito na prova.
Mas eu
costumava ensiná-los que colar na prova era uma forma de corrupção e de mentira.
Não era mentir para mim, para os professores, mas uma forma de mentir para si
mesmo, de se enganar.
Há um
desvio na compreensão de algumas coisas e por isto gosto de in-versões.
Não existe isto de: Ah, que otário,
acreditou!
Só existe: Ah, que otário, menti!
Eu
explicava para meus alunos que a nota de uma prova em que o aluno colou é uma
mentira dada a ele mesmo, criada por ele mesmo.
Colou
e tirou 8 na prova, esta nota não é sua, ela nem é verdadeira, é uma fraude,
uma mentira que você cria, recebe e aceita com alegria.
Não há
nada mais ridículo.
E esta
é uma derrota contundente, mesmo que tenha aparência de vitória.
Porque
uma das piores formas de mentir é mentir para si mesmo, é viver um engano. Isto
é jogar uma vida inteira fora, no lixo.
Arrisco-me
a dizer que a mentira que se diz para os outros é a que menos prejudica o
mentiroso.
Mas a
mentira criada para si mesmo, o autoengano, é desperdício de vida.
Quando uma pessoa mente para si mesma?
Quando
vive uma fantasia.
Quando
não encara a realidade.
Quando
não aceita quem realmente é.
Quando
não é verdadeira, autêntica e vive de aparências.
Quando
nega as suas dores, fraquezas e limitações.
Quando
nega as suas virtudes e potencialidades.
Quando
se convence e acredita em desculpas e justificativas falsas que cria para si mesma. Geralmente para
fazer ou deixar de fazer algo se sentindo menos culpada.
Quando
alcança algo de forma ilícita ou antiética.
Só
isso?
Não.
Certamente
existem muitas outras formas de mentir para si mesmo.
As
pessoas são diferentes e cada uma é um universo, já dizia um sábio, não sei
qual.
Portanto,
cada um pode criar mentiras inéditas, só sua, pelos mais diversos motivos.
Por que uma pessoa mente para si mesma?
Por
medo. De se perder, de perder algo, de perder alguém, de sentir dor.
Por
orgulho. Não querer que o conheçam como realmente é.
Por
vaidade. Preferindo sempre as aparências, as embalagens do que o real conteúdo.
Por
baixa autoestima. Não acreditando que é capaz, bonita, forte.
Por
vergonha e insegurança. Preocupada com a opinião dos outros.
Por
maldade. Para prejudicar e enganar mesmo, sem mais justificativas.
Por
fraqueza. Para alcançar algo que não consegue sem trapacear.
Por
ambição. Para ter a qualquer custo.
Por
uma questão patológica, uma doença, um desvio psicológico ou de caráter. Neste
caso requer ajuda profissional.
Só
isso?
Não.
Cada
ser humano tem sua história e tem seus motivos.
Não
tenho nem pretendo ter conhecimento de todos os tipos de casos, apenas citei
alguns para ilustrar.
E o
que acho importante é cada um se analisar e fazer suas escolhas.
Mas
quem perde, quem é derrotado pela mentira é sempre aquele que mente.
Mentir
pode se tornar uma compulsão, já conheci pessoas assim, que mentem
compulsivamente, não conseguem fazer diferente.
Usar a
nossa maravilhosa e poderosa linguagem para mentir é o mesmo que usar a água
para se afogar. Usar algo bom, que dá vida, para seu próprio mal.
Eu
preferia auxiliar um aluno que fosse sincero
comigo e me dissesse que não sabia o conteúdo ou que estivesse com outro tipo
de problema. Não o prejudicaria nem o deixaria em situação difícil, de jeito nenhum.
Seria
uma atitude bem mais bonita e digna do que tentar trapacear e colar na prova.
Pode
haver engano na minha percepção, mas parece que vivemos em uma época em que
prevalece a mentira, mente-se muito, tornou-se uma regra social.
Hoje
em dia parece impensável dizer a verdade, reconhecer que errou, que precisa de
ajuda, que não consegue fazer sozinho, mostrar que tem fraquezas e limitações,
que tem defeitos também, que é culpado.
Mente-se
sobre tudo, o tempo todo, para todos.
Um
fator de derrota, porque quem mente para não perder, já está derrotado.
E existe a mentira boa?
Na minha opinião sim, se ela vai diminuir a dor de alguém, se vai salvar uma vida, se vai acalmar um coração aflito. Se vai evitar uma tragédia.
Desde que não prejudique ninguém, então entendo que sim, que existe mentirinha do bem.