Ou o vírus da revolução
Crises são ótimas para
aprender e mudar. Dificilmente acontecem mudanças significativas de forma
espontânea. Às vezes é preciso um empurrãozinho, ou um pé na bunda, mesmo.
Esta, em especial, apensar da
tragédia de tantas mortes, têm sido “ótima” pra desvendar um aspecto bem
interessante da nossa organização social.
A impressão que se tem, no
nosso dia-a-dia, é que vivemos todos juntos em harmonia. Que nossa vida real é trabalhar
e ganhar nosso sustento e da nossa família. E que fazemos isso porque somos livres
e escolhemos. Mas você já parou para pensar que isso pode não ser bem verdade?
Veja a divisão das fotos.
O Lado A mostra condomínios de
luxo, em área nobre, caríssimos até de chegar perto. Só de passar pela frente
ficamos ainda mais pobres.
O lado B mostra a periferia
pobre, um bairro carente, uma comunidade, uma favela, o nome não muda o que ela
é e como se vive ali.
A distância, a diferença entre
o Lado A e o lado B é estratosférica, incalculável, inimaginável.
Com a atual crise do corona
vírus, com a quarentena e a ameaça de morte pela doença de um lado e a crise
financeira do outro, surgiram algumas interpretações.
Interpretação 1
O Lado A é mau, como está no
conforto e não vai passar falta, quer que a quarentena continue, por isso está
pressionando os meios de comunicação pela manutenção da quarentena.
Já o lado B precisa pagar as
contas e alimentar os filhos, quer voltar a trabalhar, precisa que a quarentena
acabe. Ainda mais que o agravamento da crise financeira pode causar mais
desemprego e fome.
Desta forma, os governantes
que querem o retorno das atividades estão a favor do lado B (dos pobres) e os
governantes que querem a manutenção da quarentena estão a favor do Lado A (dos
ricos).
Interpretação 2
O Lado A é bom, está preocupado
com a crise financeira e o aumento do desemprego, quer o retorno das atividades
normais, para que possam salvar seus negócios, suas empresas e os empregos dos
do lado B. E para que quem é do lado B possa voltar ao trabalho, garantir seu
emprego, sua sobrevivência e o bem estar da sua família.
Como o lado B sente que precisa
mesmo voltar a trabalhar, junta-se o útil ao útil. É bom para todo mundo. Todos
juntos unidos salvando a economia do país e a de casa.
Ah, mas e o vírus, gente?
Bom, o vírus existe (para
alguns, para outros não), é um problema e alguns morrerão, mas é um percentual
aceitável diante de toda a população que sofreria com os efeitos da crise.
Estas são versões criadas por
quem detém os meios e as ferramentas para disseminar as ideias. O lado B é
obediente: se disserem que é grave e tem que ficar em casa, sem salário, irão
ficar até as últimas consequência e ainda farão uma corrente de solidariedade
para ajudar os vizinhos mais necessitados. Já estão acostumados com crise,
dificuldade e necessidade, são criativos e capazes de criarem saídas para irem
contornando as carências. Claro que não sem muito sofrimento e percalços, nada
é um mar de rosas.
Mas quem é que compõe o Lado A e quem é que compõe o lado B?
No Lado A estão os grandões e
poderosos, donos da riqueza e do luxo, das grandes companhias, dos
conglomerados empresariais, os financistas, milionários, bilionários, megainvestidores.
No Lado A estão “os Pão de Açúcar”, “os Itaú”, “os Santander”, “os Bradesco”, “os
Rede Globo”, os donos das financeiras e das seguradoras que seguram as
financeiras e os bancos. Os donos das construtoras, das petrolíferas, das
distribuidoras, das farmacêuticas, dos estaleiros, dos navios, das companhias
aéreas...
No Lado A estão aqueles que
sua riqueza não tem fronteiras nem idioma e que podem mudar as leis de um país
para se beneficiarem. Lá moram os donos dos políticos, de todos os políticos de
todos partidos de todos os níveis do “poder público”. Lá moram os donos dos
juízes, das polícias e das religiões.
Se você é um empresário que
pode comprar alguns deputados e senadores e juízes e mudar a lei de um país
para beneficiar suas empresas então vou chamar você de “rico do Lado A”.
Não? Não tem este poder? Então
você é pobre, está no lado B junto com todos os outros. No lado B tem a
faxineira separada que tem 4 filhos menores de idade, mas já tem 4 netos e come
uma vez por dia para poder alimentar os outros. Tem o dono do mercadinho que
tem um HB 20 e viaja nas férias. Tem o operário que tem uma filha na faculdade,
tem o dono da lojinha, da vidraçaria, tem o chaveiro e o pedreiro. No lado B
tem a professora, o vendedor e o artesão. No lado B também estão alguns vereadores,
prefeitos e deputados, os policiais, os bombeiros, servidores públicos.
O Lado A é o lado do 1%. O
lado B é o lado dos 99%.
No Lado A estão os donos do
capital, da produção e dos produtos.
No lado B estão os que
produzem e por produzirem recebem uma quantia (mínima possível, para que não sobre
e não haja acúmulo ou enriquecimento) para que possam pagar seus impostos e
consumirem. O que ganham retorna uma parte para o Estado e a outra parte para o
pessoal do Lado A.
Ah, mas o Lado A também paga
seus impostos. Paga, é verdade, proporcionalmente menos em relação aos do lado
B, repassam no preço dos seus produtos para o consumidor pagar, ou seja, os do
lado B, abatem com artimanhas fiscais, sonegam na cara dura e seus advogados vão
rolando a dívida (conseguindo renegociar com centenas de nãos para pagar, como
uns e outros).
Assim que nesta crise, quando
tudo e todos pararam de produzir e de consumir, mesmo por pouco tempo, o Lado A
e o Estado sentiram na pele o peso e a importância do povão do lado B, dos 99%.
Dona Maria não foi fabricar as
calças jeans de marca para o patrão e não foi comprar calças jeans no atacadão.
Não produziu riqueza para o dono da fábrica nem para o dono da loja nem para o
Estado, na forma de impostos. E para piorar, se a quarentena continuar, vai
precisar de auxílio, do Estado, é claro, porque do patrão não vem nada mesmo.
Aliás o patrão da dona Maria reclamou com o Estado que está tendo prejuízo e
precisa de auxílio financeiro senão vai demitir e pode até falir. O dono da
lojinha fez a mesma coisa e o banco que tinha para receber dos três também
reclamou com o Estado que precisa de ajuda, senão vai repassar seu prejuízo
para alguém. Prejuízo não, queda nos lucros estratosféricos.
O Lado A, vendo que a sua
dependência do lado B estava prestes a ficar evidente, vendo seus lucros
diminuírem, ouvindo a reclamação dos acionistas e investidores com a queda das
suas ações na bolsa, começam a pressionar o poder público (aqueles que precisam
de pressão, porque alguns não precisam) para cancelar a quarentena e deixar
tudo andar normalmente.
Dana Maria, o lado B, precisa
voltar para a rua para continuar produzindo a riqueza do Lado A.
É aqui que as coisas deveriam se
inverter, lado A (com letra minúscula) e Lado B (com letra maiúscula).
O lado A precisava mobilizar o
Lado B para ajudar na campanha “salve a economia”. E a melhor maneira de fazer
isso é usando os velhos e conhecidos artifícios, que vêm sendo usados pelas
religiões protestantes há bastante tempo: o medo e a ganância (na ignorância). O
medo de perder o emprego, de passar fome, de ficar inadimplente, do que os outros
irão dizer e a possibilidade de voltar a comprar.
O Lado B aceita a narrativa e
até se sente culpado por estar ameaçando a economia brasileira ficando em casa.
O Estado abre, autoriza a
volta das atividades e quem vai para a carreata comemorar é o carrão importado
de tanque cheio, carregando a perua emperiquitada.
O lado A respirou aliviado, é
claro que festejou dentro dos carrões: o lucro deles está salvo, o status quo está garantido
e os 99% não perceberam que a riqueza e o poder do lado A estão nas mãos deles.
Mas e o vírus? E as mortes?
Bom, são perdas inevitáveis
para um bem maior. Não é assim?
E o que teria acontecido se
todo o Lado B continuasse em casa, sem produzir e sem comprar nada, tudo
fechado, tudo parado, quarentena total, por um longo tempo?
Ah, o país viraria um caos,
muita fome e muitas mortes.
Só no ano passado, 2019, nós
pagamos 1 trilhão e 537 bilhões em impostos. O Lado B parado tem condições (e o
dever moral) de pressionar o Estado para que parte desta riqueza seja usada
para sustentá-los com dignidade.
Imagine o tamanho do valor do
consumo do Lado B.
Imagine o quanto os 99%
consomem dos produtos e serviços dos patrões do lado A.
Perdurando a situação de
paralização, o próprio lado A pressiona o Estado para injetar dinheiro no lado
B. Como já começou a fazer.
O governo disse 200,00, o
congresso disse 600,00 podendo chegar a 1.200,00. E quem é o dono dos
congressistas? O lado A.
Perdurando a paralisação a
forma de ganho e as relações de trabalho poderão ser negociadas. Pois eles não terão
outra saída e são gananciosos demais para abrirem mão de suas riquezas. Pois se
todos continuarem parados e tudo continuar fechado o dinheiro deles derrete,
perde todo o valor. Melhor dividir e salvar uma parte.
Por exemplo:
vaga que um trabalhador ocupa,
divide a carga horária, sem diminuir o salário, e emprega mais um. Diminui
drasticamente o desemprego e coloca mais gente consumindo mais e pagando mais
impostos. (não, não terão prejuízo, terão, talvez, um lucro menor, o que é
ótimo, distribuição de renda, diminuição da desigualdade social, já que quem
produz mesmo e consome é quem trabalha, além disso o Estado pode dar a sua
contribuição de diversas formas).
E é o momento ideal para dar
esta lição.
Trata-se de uma pandemia, de
uma emergência de saúde, ninguém estará desobedecendo nem fazendo greve.
Imagine por um momento,
partindo daquele número ali, do valor arrecadado em impostos em 2019, todos os
anos em que isso vem acontecendo.
Agora lembre-se de que este
valor é somente de impostos pagos, lembre-se de toda a produção do país, das
exportações, das mamatas, das mordomias de políticos e juízes.
Agora imagine o tamanho da
riqueza que está acumulada nas mãos do lado A, pense no lucro dos bancos.
Agora lembre-se que tudo isso
é produzido por você e roubado por eles.
Não teria mesmo como o Estado
e o lado A distribuírem melhor toda esta riqueza que você produz?
Ninguém os quer na miséria,
apenas se pede uma distribuição mais justa, todos podem estar empregados, todos
trabalhando, todos ganhando melhor.
Você acha isto errado?
E como você vive?
Ainda agradecendo a Deus e
pagando o dízimo? Manso feito uma ovelhinha branca? Feito cordeirinho?
É justamente isso que eles
querem, é disso que eles precisam, ainda sugam suas últimas gotas de suor e de
sangue explorando a sua fé.
Agradeça a Deus, mas lute.
Seja grato, mas rebele-se contra as injustiças, você não estará fazendo só por
si, estará fazendo pelos desempregados, pelos famintos, pelos mais desfavorecidos
que você, pelos que estão por vir, pelos seus descendentes, pelo futuro.
Converse, convença,
compartilhe este texto, explique que todo poder e toda a riqueza é produzida
por nós e, portanto, nos pertence. E eles sabem disso, por isso querem tanto que
você volte, que arrisque a sua vida e a da sua família para produzir a riqueza deles
e para voltar a comprar e consumir.
Já não basta os dias, as
horas, os anos e a vida que você dá a eles? O tempo longe dos filhos, os
desaforos, as humilhações, a exploração, a desigualdade injusta?
Querem que você morra fazendo
riqueza para eles e depois de você eles terão seus filhos e netos, que já estão
sendo preparados para isso, pela escola e por você mesmo.
Quebre a roda.
Quebremos a roda.
O vírus nos deu a fórmula.