Você já ouviu falar na lei da
física ou em uma lei da natureza chamada lei do merecimento?
Não, né?
Eu não sei muita coisa de física e de leis, mas
nunca ouvi falar e aposto que ela não existe.
Digo isto porque na natureza
as coisas parecem não funcionar por meio de merecimento.
Se fosse assim o sol não
brilharia para bons e maus.
A chuva não cairia sobre a
terra de justos e injustos.
O ar não encheria os pulmões
dos tiranos.
O dia não chegaria para os
assassinos, que viveriam somente na escuridão.
Somente os merecedores
receberiam as dádivas da mãe natureza e o dom da vida contemplaria apenas aqueles
com créditos acumulados no banco dos merecimentos.
Se as coisas funcionassem com
base em merecimento, não precisaríamos fazer nada, apenas ser bonzinhos, obedientes
e merecer.
Mas não é assim que as coisas
funcionam, não é uma questão de justiça nem de merecimento.
Merecimento não é uma lei, é
apenas um instrumento de dominação próprio da família, da escola e da religião,
mas que o mercado e o trabalho também utilizam para fazer obedecer e produzir
mais.
Uma pessoa pode dificultar a sua vida por estar convencida de que não merecer coisas boas por ter cometido erros.
Outras se decepcionam e se
frustram porque entendem que merecem, mas as coisas que desejam não vêm.
De nada adianta merecer viver
se você não nadar quando cair no rio.
Vai morrer como morreria qualquer outro.
E
então não se poderá dizer que aconteceu porque não merecia. Não. Aconteceu
porque não nadou.
Do contrário, alguém que pode estar na conta dos que não merecem viver, viverá se cair no rio e nadar.
Porque se salvar do afogamento
é a consequência do ato de nadar.
A questão não é, portanto, de merecer
ou não merecer algo, mas de conhecer as leis universais e agir de acordo para
alcançar o que se deseja.
Alguém pode simplesmente viver
de qualquer jeito, ir levando a vida, sem se questionar, sem saber direito o
que está fazendo ou achando que sabe.
Poderá passar a vida inteira
frustrada, infeliz, não conseguindo alcançar o que quer
por não ter consciência de como são as regras do jogo e como funcionam as leis
do Universo.
Por exemplo, nadar e não se afogar
é ação e consequência. Jogar algo para cima e ele cair é ação e consequência em
virtude de outra lei, a lei da gravidade.
Uma laranjeira não vai dar frutos
ou deixar de dar em virtude do merecimento de quem a plantou, mas como consequência
das condições em que ela vive.
Alguém não consegue emprego ou
recebe uma promoção em virtude do merecimento, mas como consequência da sua
competência, do trabalho que realiza, do quanto estudou, de como agiu, das suas
atitudes.
Na família, na
religião e na escola é importante fazer crer que as pessoas recebem coisas se
merecerem e se não merecerem não receberão.
É assim com os presentes, com o
carinho, com a atenção, com a simpatia, com a amizade, com as notas, com a
salvação e o céu.
E funciona assim porque as
pessoas têm necessidades, têm medos, são ambiciosas e querem as coisas, então realizam
o que lhe é ordenado para receberem aquilo que desejam, ou para se livrarem da
culpa e do medo.
É assim que a ideia de
merecimento funciona como mecanismo de controle e dominação.
Por isso se deve ter muito
cuidado com este conceito, com a ideia de merecimento.
Porque de tanto viver sob este
jugo, a pessoa internaliza este valor e depois pauta a sua vida pelo que merece
ou pelo que não merece, de acordo com os critérios que lhe foram passados na
família, na escola e na religião.
Esta é uma das raízes da autossabotagem,
no fundo a pessoa sabota aqueles projetos que ela, quase inconscientemente,
acha que não merece.
Sabota o emprego, o relacionamento,
a promoção, o empreendimento, as finanças e a própria vida, porque no fundo da
sua psique está registrado que ela não merece ser feliz.
Talvez porque tenha abandonado
alguém, feito um aborto, mentido, enganado, traído, matado, roubado, frustrado
alguém?
O fato é, e você que resistiu
até aqui e continua lendo sabe, que se alguém fizer o que tem que ser feito, do
jeito que deve ser feito, o que deseja virá, mesmo tendo cometido erros, pois será
consequência lógica das ações.
Porque é uma questão de lei,
ação e consequência, ação e reação, lei do retorno, lei da entropia, nada de merecimento.
O conceito de merecimento vem
acompanhado da ideia de que se alguém merece, então outro alguém lhe deve algo.
O que é outra ideia estapafúrdia, que leva a enganos e desastres horríveis.
Uma pessoa que se julga
merecedora entende que a vida lhe deve o melhor, mesmo que ela sequer saiba o
que tem que fazer ou como tem que agir para alcançar aquele status que acha que
merece.
Pensar em termos de merecimento
é também considerar que em algum lugar alguém anota seus atos, seus pensamentos,
suas intenções e faz um balanço do que você merece e do que não merece.
Tenho uma notícia para as
pessoas que pensam assim: não existe ninguém anotando o que você faz para depois
estabelecer o que você merece.
Lá na infância havia, sim, seus
pais, eles prometiam que, se você merecesse, te dariam coisas, então tinham que
computar seus pontos positivos e os negativos. Alguns colocavam a culpa no
Papai Noel.
Mais tarde vieram os
professores e os tutores espirituais, estes te disseram que em algum lugar
celestial ou diabólico havia alguém que fazia este serviço.
Mas agora você cresceu, não há
ninguém em lugar nenhum computando seus merecimentos.
O que há são leis, você faz
algo e uma consequência ocorrerá de acordo com a ação inicial.
Quer dinheiro?
Ora, trabalhe,
ganhe, não gaste e como consequência lógica você terá estes cobiçados papeizinhos.
Quer liberdade?
Então não faça
nada que te prenda, que restrinja a sua liberdade.
E assim por diante.
O que não dá é alguém querer dinheiro,
mas gastar mais do que ganha, querer liberdade e assumir compromissos
aprisionadores, ou cometer um crime, ser condenado e ir para a prisão. E depois
achar que não merecia ser feliz, ter dinheiro e liberdade.
Acho que é mais ou menos por
aí que as coisas andam.
A gente acredita nos contos de
fada da infância e às vezes os carrega por toda uma vida, arrastando seus dogmas
como bolas de chumbo pendurados por correntes ao tornozelo do nosso entendimento.
Liberte-se.