quinta-feira, 18 de julho de 2019

CUIDADO COM A IDEIA DE MERECIMENTO



Por que esta é uma ideia estapafúrdia? 




Você já ouviu falar na lei da física ou em uma lei da natureza chamada lei do merecimento?

Não, né? 

Eu não sei muita coisa de física e de leis, mas nunca ouvi falar e aposto que ela não existe.

Digo isto porque na natureza as coisas parecem não funcionar por meio de merecimento.

Se fosse assim o sol não brilharia para bons e maus.

A chuva não cairia sobre a terra de justos e injustos.

O ar não encheria os pulmões dos tiranos.

O dia não chegaria para os assassinos, que viveriam somente na escuridão.

Somente os merecedores receberiam as dádivas da mãe natureza e o dom da vida contemplaria apenas aqueles com créditos acumulados no banco dos merecimentos.

Se as coisas funcionassem com base em merecimento, não precisaríamos fazer nada, apenas ser bonzinhos, obedientes e merecer.

Mas não é assim que as coisas funcionam, não é uma questão de justiça nem de merecimento.

Merecimento não é uma lei, é apenas um instrumento de dominação próprio da família, da escola e da religião, mas que o mercado e o trabalho também utilizam para fazer obedecer e produzir mais.

Uma pessoa pode dificultar a sua vida por estar convencida de que não merecer coisas boas por ter cometido erros.

Outras se decepcionam e se frustram porque entendem que merecem, mas as coisas que desejam não vêm.

De nada adianta merecer viver se você não nadar quando cair no rio. 
Vai morrer como morreria qualquer outro.

E então não se poderá dizer que aconteceu porque não merecia. Não. Aconteceu porque não nadou.

Do contrário, alguém que pode estar na conta dos que não merecem viver, viverá se cair no rio e nadar.

Porque se salvar do afogamento é a consequência do ato de nadar.

A questão não é, portanto, de merecer ou não merecer algo, mas de conhecer as leis universais e agir de acordo para alcançar o que se deseja.

Alguém pode simplesmente viver de qualquer jeito, ir levando a vida, sem se questionar, sem saber direito o que está fazendo ou achando que sabe.

Poderá passar a vida inteira frustrada, infeliz, não conseguindo alcançar o que quer por não ter consciência de como são as regras do jogo e como funcionam as leis do Universo.

Por exemplo, nadar e não se afogar é ação e consequência. Jogar algo para cima e ele cair é ação e consequência em virtude de outra lei, a lei da gravidade.

Uma laranjeira não vai dar frutos ou deixar de dar em virtude do merecimento de quem a plantou, mas como consequência das condições em que ela vive.

Alguém não consegue emprego ou recebe uma promoção em virtude do merecimento, mas como consequência da sua competência, do trabalho que realiza, do quanto estudou, de como agiu, das suas atitudes.

Na família, na religião e na escola é importante fazer crer que as pessoas recebem coisas se merecerem e se não merecerem não receberão.

É assim com os presentes, com o carinho, com a atenção, com a simpatia, com a amizade, com as notas, com a salvação e o céu.

E funciona assim porque as pessoas têm necessidades, têm medos, são ambiciosas e querem as coisas, então realizam o que lhe é ordenado para receberem aquilo que desejam, ou para se livrarem da culpa e do medo.

É assim que a ideia de merecimento funciona como mecanismo de controle e dominação.

Por isso se deve ter muito cuidado com este conceito, com a ideia de merecimento.

Porque de tanto viver sob este jugo, a pessoa internaliza este valor e depois pauta a sua vida pelo que merece ou pelo que não merece, de acordo com os critérios que lhe foram passados na família, na escola e na religião.

Esta é uma das raízes da autossabotagem, no fundo a pessoa sabota aqueles projetos que ela, quase inconscientemente, acha que não merece.

Sabota o emprego, o relacionamento, a promoção, o empreendimento, as finanças e a própria vida, porque no fundo da sua psique está registrado que ela não merece ser feliz.

Talvez porque tenha abandonado alguém, feito um aborto, mentido, enganado, traído, matado, roubado, frustrado alguém?

O fato é, e você que resistiu até aqui e continua lendo sabe, que se alguém fizer o que tem que ser feito, do jeito que deve ser feito, o que deseja virá, mesmo tendo cometido erros, pois será consequência lógica das ações.

Porque é uma questão de lei, ação e consequência, ação e reação, lei do retorno, lei da entropia, nada de merecimento.

O conceito de merecimento vem acompanhado da ideia de que se alguém merece, então outro alguém lhe deve algo. O que é outra ideia estapafúrdia, que leva a enganos e desastres horríveis.

Uma pessoa que se julga merecedora entende que a vida lhe deve o melhor, mesmo que ela sequer saiba o que tem que fazer ou como tem que agir para alcançar aquele status que acha que merece.

Pensar em termos de merecimento é também considerar que em algum lugar alguém anota seus atos, seus pensamentos, suas intenções e faz um balanço do que você merece e do que não merece.

Tenho uma notícia para as pessoas que pensam assim: não existe ninguém anotando o que você faz para depois estabelecer o que você merece.

Lá na infância havia, sim, seus pais, eles prometiam que, se você merecesse, te dariam coisas, então tinham que computar seus pontos positivos e os negativos. Alguns colocavam a culpa no Papai Noel.

Mais tarde vieram os professores e os tutores espirituais, estes te disseram que em algum lugar celestial ou diabólico havia alguém que fazia este serviço.

Mas agora você cresceu, não há ninguém em lugar nenhum computando seus merecimentos.

O que há são leis, você faz algo e uma consequência ocorrerá de acordo com a ação inicial.

Quer dinheiro? 

Ora, trabalhe, ganhe, não gaste e como consequência lógica você terá estes cobiçados papeizinhos.

Quer liberdade? 

Então não faça nada que te prenda, que restrinja a sua liberdade.

E assim por diante.

O que não dá é alguém querer dinheiro, mas gastar mais do que ganha, querer liberdade e assumir compromissos aprisionadores, ou cometer um crime, ser condenado e ir para a prisão. E depois achar que não merecia ser feliz, ter dinheiro e liberdade.

Acho que é mais ou menos por aí que as coisas andam.

A gente acredita nos contos de fada da infância e às vezes os carrega por toda uma vida, arrastando seus dogmas como bolas de chumbo pendurados por correntes ao tornozelo do nosso entendimento.

Liberte-se.






terça-feira, 16 de julho de 2019

FOI SÓ DA BOCA PRA FORA!



Conhece esta expressão? Ela te convence? Você já usou?


 Esta expressão é usada geralmente em situação de discussão, colocada da seguinte forma.

Duas pessoas estão discutindo um assunto, a discussão fica um pouco acalorada, e uma diz para a outra:

mas tu sempre foi um banana!”

Diante da reação da outra, do clima que se instala, do que a frase provoca no ambiente, a pessoa então tenta amenizar declarando que disse aquilo “só da boca pra fora”. Como quem diz que não quis dizer aquilo, que não é sério, que ela não pensa assim, que o outro não deve dar importância...

Mas é claro que foi da boca pra fora, como alguém te diria algo falando da boca pra dentro?

E não, isto não significa que a pessoa não pensou, que falou por falar, que foram só palavras da boca pra fora, que não têm importância, que a pessoa não pensa assim.

Esto no existe!


Não existe palavra que sai sozinha, sem nenhum correspondente interno, sem pensamento, sentimento, vontade, emoções, intenções, algo sempre há.

Palavras não brotam do nada, do vazio, quando alguém diz algo para outro alguém sempre há um fundamento.

Por exemplo, em psicologia, o ato falho.

Pode ser que a pessoa nem se deu conta de que disse algo, não lembra das palavras que pronunciou, mas em psicologia aquelas palavras ditas estão dizendo algo da psique daquela pessoa.

Portanto, quando alguém diz “ah, foi só da boca pra fora”, ela está escondendo o que tem por traz daquelas palavras, o que as motivou, porque disse o que disse.

É provável que sempre tenha achado o outro um banana, embora nunca tenha dito, mas naquele momento acalorado as palavras saíram e para não magoar mais, para não piorar a situação, para não ter que assumir que sempre achou o outro um banana, ou sabe-se lá por qual motivo, recorre a este subterfúgio.

É evidente que este é um direito da pessoa, não querer explicar porque disse algo, não querer demonstrar o sentimento ou o pensamento que a levou dizer aquilo.  

Embora melhor seria, talvez, então, não dizer.

O fato é que quem diz e depois tenta contornar com o argumento furado de que “foi só da boca pra fora” tem seus motivos.

E quem ouve pode fazer uma escolha, que pode não ser muito fácil.

Pode deixar-se convencer, crendo que realmente foi só da boca pra fora. Ou assumir que o que foi dito é exatamente o que foi dito, lidando de forma madura com as consequências desta tomada de consciência.

As decisões, neste caso, permeiam a verdade, a autenticidade, a maturidade, a mentira e o engano, a falsidade e o autoengano.

São escolhas, apenas escolhas.

Mas como profissional da linguagem posso afirmar que esta expressão é um tanto sem pé nem cabeça.

Por um lado, ela é óbvia, pois se diz algo para alguém da boca pra fora e não da boca pra dentro.

Por outro lado, ela é ridícula, pois tenta fazer retornar ou anular as palavras que já foram ditas por um e ouvidas por outro.

E dizem que são três as coisas nesta vida que jamais voltam:
a flecha lançada, a palavra dita e a oportunidade perdida.

E neste caso a pessoa perdeu a oportunidade de ficar calada e assim não ter que fazer retornar a palavra dita.

Disse, falou, a palavra saiu, não tem mais volta.

Ouviu, a palavra, ela entrou no ouvido e na mente, não tem mais volta.

Esta é uma das belezas da linguagem. É encantador lidar com algo tão volátil, tão poderoso, tão fugidio e concreto ao mesmo tempo.

Algo que é nosso, que está sob o nosso domínio e controle, mas também não está e é do outro ao mesmo tempo. E marca e fere e também cura e suaviza.

Ao passo que a linguagem revela também oculta e disfarça e diz e esconde numa espécie de jogo, brincadeira, luta e dança, de sons e ideias e sentimentos e sensações.

Que outro material assim tão genial temos nas mãos, ou melhor, na boca?


Então não seria inteligente aprender a cuidar bem dela, da linguagem, a dizer bem dito, a pesar bem antes de falar e de calar?

Refrear-se internamente antes de dizer o indevido, refrear a língua e dizer quando precisa ser dito é bastante difícil, requer sabedoria, leva uma vida para aprender e geralmente uma vida é insuficiente, mas é lindo.





quinta-feira, 11 de julho de 2019

QUEM TEM BOCA VAI PARA ONDE QUISER



Olha só o que me aconteceu esta semana na fila da lotérica.


Isto me fez pensar sobre o quanto a gente deixa de conseguir as coisas porque não se mexe, porque não fala, não diz o que quer ou o que não quer.

Aliás, a gente até diz, mas diz no modo fofoca, reclamação, comentário, aí não muda nada mesmo, não funciona.

Quer ver só?


Eu cheguei em uma agência lotérica da Caixa, que abriu há poucos dias aqui na minha cidade, e havia uma fila enorme, uma só, então entrei naquela fila.

Lá na frente, um guichê preferencial para idosos, gestantes e pessoas com necessidades especiais, outro guichê preferencial para jogos e mais um ou dois guichês funcionando para serviços e público em geral.

Eu poderia ter ido no guichê preferencial para jogos, mas preferi ficar na fila  única, junto com todos.

Então chegou um homem, que não entrou na fila, ficou de lado, e assim que vagou um guichê, de atendimento geral, ele foi até lá e foi atendido.

Assim que ele terminou de ser atendido, eu saí lá de traz da fila, me dirigi até aquele guichê e perguntei porque aquele homem foi atendido sem entrar na fila, passando na frente de todos.

A moça me respondeu que ele queria fazer apenas jogos e como o guichê preferencial para jogos estava ocupado, atendendo outro serviço, ela o atendeu ali mesmo.

Eu disse a ela que também queria fazer somente alguns jogos e que então também queria ser atendido. E ela me atendeu.

Enquanto isso eu pude ouvir as reclamações do pessoal da fila.

Ela terminou de me atender, eu saí, olhei para a fila, estavam todos com cara amarrada, reclamando, falando uns com os outros, parecia que iriam me surrar.

Mas nenhum deles saiu da fila para ver o que estava acontecendo, para perguntar o que houve, para saber qual motivo de termos sido atendido na frente deles ou para reclamar com quem poderia fazer algo. Apenas resmungaram.

Provavelmente todas aquelas pessoas permaneceram aguardando na fila até serem atendidos e nenhum deles se arriscou a reclamar, questionar, organizar a fila, começar outras filas de acordo com as preferências e serviços. Ninguém se mexeu.

E não é bem assim que tem acontecido?

As pessoas se juntam em grupos, físicos ou virtuais, e ficam reclamando das coisas erradas, da má sorte, das dificuldades, do destino e do diabo a quatro.

Mas são poucas que levantam e vão fazer alguma coisa de fato para mudar.

Estes grupos onde se fala e se reclama de tudo serve de catarse, ali se dissipa a indignação, o ímpeto, a coragem, a inciativa e fica por isso mesmo, não precisa mais ter ação de fato, todos ficam aliviados ou envenenados com sentimentos  negativos.

Funciona como uma droga.

Por isso que quem tem boca, sabe usar as palavras e usa, quem levanta e diz o que quer, onde dói, o que não quer, o que incomoda, o que deseja, este vai a Roma e onde mais quiser.

Não se trata de usar a linguagem para ficar reclamando, mas para dizer o que deve ser dito, do jeito certo, no momento certo, para as pessoas certas.

O que deve ser dito é a verdade;

o jeito certo é com educação, mas com atitude;

o momento certo é aquele que você sente que é;

as pessoas certas são as implicadas na situação, as pessoas envolvidas, que podem participar e realizar mudança.

Se você tem um problema com a esposa ou com o esposo, este problema não será resolvido ao você falar dele para um amigo ou uma amiga que nada tenha a ver com a situação e nada poderá fazer.

É preciso dizer para as pessoas o que queremos ou não queremos, elas não são advinhas e ninguém tem a obrigação de saber e providenciar o que nos faz bem, o que queremos.

Essa é uma tarefa de cada um para consigo mesmo.

Quem tem boca vai a Roma coisa nenhuma, vai muito mais longe.

A linguagem é um tesouro que, se soubermos usar, pode nos levar por todos os caminhos que sonhamos trilhar.

Mas se utilizamos da forma errada, pode nos prejudicar e prejudicar os outros.

Quem fica cacarejando e ciscando no terreiro é galinha, águias tomam impulso, abrem as asas, levantam e voam bem alto, acima das montanhas e das nuvens.

Somos águias, não galinhas.

Ficar reclamando do que quer que seja não resolve a situação, aliás, complica mais ainda.

Esta é a pior maneira de usar a linguagem, a boca, a laringe, o verbo. É um desperdício de poder, de força e de oportunidade.

Abra a boca e diga e fale, levante e faça e aja. Isso é orar com fé.

Orar com fé não é olhar para o céu, pedir e esperar que as coisas se façam por milagre, que algum deus mande pronto o que você quer.

O milagre é fazer acontecer.

Você já é o milagre pronto.

Está esperando o quê?


segunda-feira, 8 de julho de 2019

O QUE IMPORTA É SER FELIZ?



É mesmo?



Este é um falso imperativo da nossa época, que pode estar bem equivocado e pode ser causa de problemas na vida das pessoas que o adotam.

A linguagem tem uma relação íntima e direta com nossa cognição, com nossa psique, com nossa identidade e com nosso comportamento.

Na expressão “o que importa é ser feliz” está implícita a ideia de que a felicidade é O QUE IMPORTA, é O CARA, portanto os outros valores não importam mais.

Nesta expressão estão presentes o egocentrismo e o egoísmo. Ela está dizendo que o que importa é a felicidade de cada um, porque não diz que o que importa é fazer feliz, mas ser feliz.

Esta expressão serve como antolhos para nós.

Antolho é o nome daquelas barreiras que limitam a visão lateral dos cavalos, para que eles olhem somente em uma direção.

Mas nós somos humanos, não somos cavalos que precisam ser direcionados.

Humanos não podem viver sem olhar para os lados e ver quem caminha junto. 

Somos seres sociais e não podemos ser felizes se nossa sociedade sofre.

Assumir esta expressão como verdade e pautar a vida nesta pretensa “felicidade” pode ser bem complicado, pelo simples fato de que isto não é assim como é dito.

A expressão não corresponde a uma realidade.

O que é ser feliz para você?

O significado de ser feliz para você hoje é o mesmo que há 10 ou 20 anos?

O que é ser feliz para você é o mesmo que é para todas as pessoas que importam a você, que convivem com você, que estão ligadas a você e que te rodeiam?

Se a felicidade for entendida como ausência de sofrimento, de problemas, de dores, de conflitos, de tristezas, então ela não é, nunca foi e nunca será plena e perene.

Este tipo de felicidade não existe, é uma ilusão, porque na existência humana, não importa quem seja, sempre haverá conflitos, dores, tristezas, sofrimentos.
Portanto, pautar a vida neste pensamento, “o que importa é ser feliz”, é um lamentável auto engano.


O que importa então?


Cada um que sabe da sua vida que o diga.

Mas deixo algumas dicas.

O que importa é saber passar pelas dores, pelos sofrimentos, pelas tristezas. 

Aquelas que fazem parte da vida, que são inevitáveis, que não dependem de nós.

O que importa é não buscar com as próprias mãos mais dores do que a vida já nos proporciona.

O que importa é o que somos capazes de fazer com nossos conflitos e problemas.

Talvez importe mais fazer feliz do que ser feliz.

Há muitas coisas acima da felicidade, porque se tiver que deixar de ser feliz para fazer o bem, para fazer o que é certo, para favorecer o próximo, então vale a pena.

Houve uma época em que, para uma parte da nossa sociedade, o que importava era a honra, por ela derramava-se sangue.

O que importava era a palavra, o caráter, não importava o quanto isso fizesse um homem infeliz, palavra e caráter não faziam curva.

Mas é claro que não precisamos ser tão dramáticos assim, tão drásticos, basta que procuremos o equilíbrio, em todas as circunstâncias.

Todos têm o direito de buscar a sua felicidade, mas não deveria ser a qualquer custo, à revelia dos valores humanos, da vida do outro nem às custas do sofrimento alheio.

Talvez seja mais proveitoso ter consciência de que os momentos ruins fazem parte da vida e virão inevitavelmente, e serão ruins à medida da nossa habilidade de lidar com eles.

Tenho visto a busca desenfreada pela felicidade causar mais dores e sofrimentos do que se a pessoa nunca a tivesse buscado.

O que importa não é ser feliz, importa mais é saber passar pelos momentos de infelicidade com serenidade e equilíbrio.

É importante saber passar pela dor sem negar nem esconder, no intuito de fazer parecer que é feliz.

Para alguns, as dores podem trazer mais crescimento do a felicidade.  

E para finalizar.


Criar uma criança sob este lema da “felicidade é o que importa” pode ser uma tragédia.

É o mesmo que ensinar a correr atrás do vento para agarrá-lo com as mãos. Só causará sofrimento ao invés de felicidade.

 Melhor seria ensinar as crianças a lidar com o sofrimento, com as frustrações, com as dificuldades da vida, com o desprazer, com o desgosto e com as derrotas.  Assim uma criança pode ter mais chance de ser feliz.

A quem pode interessar que nós vivamos sob o lema do que importa é ser feliz?

Ora, interessa a quem vende prazer. Pois muitos relacionam a felicidade ao prazer.

Está triste? Então vai ao shopping fazer compras, troca de carro, vai à balada, ao salão de beleza, vai beber, vai usar drogas, vai jogar, vai pagar por sexo e companhia diferente, compre fantasia, vai consumir algo que lhe dê prazer e que lhe alivie, que lhe faça “feliz”, vai fazer terapia, vai na farmácia buscar um remedinho milagroso.

Fuja do sofrimento.

Mas na nossa sociedade fugir do sofrimento pode custar dinheiro, pode sair caro.

Quem ganha com isso?

Quem pode ter sugerido esta ideia?

Esta ideia é mais um elo na corrente que já temos arrastado, mais uma grade na cela que nos aprisiona.

Libertemo-nos.

domingo, 7 de julho de 2019

NOVOS E VELHOS VAZAMENTOS NO PAÍS DAS MARAVILHAS



O nebuloso reinado da mentira e da hipocrisia



Sejamos sinceros.

Não há furo de reportagem nenhum, nenhuma novidade, nenhuma surpresa, todos já sabiam, o Supremo, o Congresso, a OAB, a acusação, a defesa, a imprensa, a esquerda e a direita, eu e você.

Deixemos a hipocrisia e o sensacionalismo de lado, abandonemos este climinha de espionagem barata e vamos aos fatos.

No Brasil é assim desde que os europeus chegaram aqui.

Chegaram e ficaram comprando, enganando, corrompendo, cooptando, doutrinando, escravizando, matando, exterminando, utilizando da mentira e da hipocrisia para aculturar e dominar.

Mas tudo feito sempre em nome nobres ideais.

Em nome de Jesus, da Santa Igreja, da bíblia sagrada, da família, do progresso, do mundo civilizado, do bem do próximo e em nome do cidadão de bem.

No nosso país preso condenado continua cometendo crime, usando celular, usando droga, aplicando golpe e chefiando facção criminosa, tudo de dentro da cadeia.

Então qual é a novidade?

Condenado no Brasil sai da cadeia para cumprir expediente no gabinete, para seções da câmara e continua recebendo salário. Condenado no Brasil é eleito e sai da prisão para a cerimônia de posse. 

Qual é a novidade?

Aqui o Congresso Nacional não representa quem o elegeu e é por si mesmo uma instituição criminosa protegida por lei e financiada por bandidos engravatados das diferentes bancadas.

O Supremo Tribunal Federal não julga livremente e não age com isenção, nunca agiu.

Os Tribunais regionais seguem na mesma linha do Supremo, juízes são corruptíveis, sentenças são negociáveis e a justiça brasileira nunca foi cega, enxerga notas, número de contas, saldos bancários, sobrenomes, cargos, famílias, interesses, partidos e grifes.

Ninguém tem dúvida de que a justiça brasileira não é igual para ricos e pobres, pretos e brancos.

A população sabe disso e os magistrados também.

Onde está a novidade?

Aqui no Brasil a corrupção, a mentira e a hipocrisia começa dentro de casa, no seio da família, e vai até o governo federal, passando pela empresa, pela escola e pela religião.

Há exceções? Sim, certamente há.

E pode ser que você que está lendo este texto faça parte da exceção.
Mas é justamente este o problema.

É exceção e não regra.

Então, onde está a novidade?

No Brasil todo mundo sabe que sempre foi assim, todo mundo sabe onde está o traficante, a boca de fumo, o político que comprou voto, o cidadão que o vendeu, o empresário que financiou, o pastor falcatrua, o padre pedófilo, o médico que vende atestado, o advogado bandido, o marido que bate na mulher.  

Mas o que importa é sair na foto como cidadãos de  bem, senhores e senhoras respeitáveis da sociedade, família de comercial de margarina.

E fazer cara de espanto e escândalo quando os podres aparecem.

Mas este teatro dura só até alguém aceitar o preço, tocar no interesse certo, fazer a oferta irrecusável.

Aqui só é errado quando não é meu ou dos meus, mas quando é dos outros, aí o peito se enche de razão e de podre hipocrisia condenatória.

Amamos apontar o dedo, sem perceber que neste gesto outros três apontam para si mesmo e um para cima.

O clima de sensacionalismo, de surpresa, de furo de reportagem, de “BOMBA!” ajuda a manter o status quo.

Cria-se a roda de fofoca e de comentários, a verborreia vaidosa e desenfreada, as análises pretensiosas, emergem as sabedorias incomuns, as opiniões surpreendentes, as disputas de ideias e tudo morre ali mesmo, no restrito espaço entre a poltrona e o aparelho de tv, entre os olhos e o computador, entre os dedos e a tela de um celular.

E segue o baile, como sempre foi e tem sido há 5 séculos.

Cadê a novidade?

Aqui no Brasil já tiramos ditadores e corruptos?

E substituímos pelo quê?

Pela democracia? Que democracia?

Quem continua tomando as decisões?

Mudam-se os atores, mas os papéis são os mesmos, a peça é a mesma, o palco é o mesmo, o script, o enredo, os financiadores, o cenário, o sistema é o mesmo.

É muito antiga esta estratégia de divertir, de criar o clima de filme de espionagem, de novidade, de suspense e de que o povo importa, interfere e participa.

É velha a estratégia de oferecer o lado bom e do lado mau.

É conhecida a encenação do deteve bom e do detetive mau, para fazer crer os incautos de que há opções, de que há escolha, quando na verdade são apenas dois lados da mesma moeda.

Mas nela não há escolha, somente fora dela.

Você chega no guichê, escolhe seu acento entre dezenas de lugares disponíveis, escolhe o filme, o horário, mas ainda continua dentro do cinema assistindo a um filme.

Se você quer algo diferente deve sair daquela sala, daquele esquema, e olhar lá fora.

Quantos escândalos já presenciamos?

Quantas vezes já achamos que a justiça estava sendo feita? 

Quantas vezes acreditamos nas mudanças feitas por estas mesmas vias?

Quanto salvadores já tivemos?

E em que resultou tudo isso, afinal?

Lembram do quanto falamos de Mariana, de Brumadinho, do Collor, do PC Farias, das privatizações, da greve dos caminhoneiros, da constituinte de 1988, das eleições diretas...???

Quem mandava lá atrás continua mandando; o que queriam fazer, fizeram; os mesmos bancos e grandes empresários continuam mandando e enriquecendo; quem tinha poder continua tendo; as bancadas que moldaram a constituição de 1988 permanecem controlando o congresso e toda a política brasileira; quem perdeu jamais recuperou; o bandido se reelegeu e retornou ao poder; os preços que tinham que subir subiram e os que tinham que baixar baixaram; os acordos foram contornados; arquivos foram queimados; juízes foram comprados; pessoas desapareceram e continuam sumindo e sofrendo acidentes.

Um escândalo substitui o outro e a diversão continua, o hipnotismo não cessa, a memória falha, a vontade diminui, aquela indignação passa e surge uma nova.

Ora mordida, ora assopro e em meio as contingências do cotidiano vão nos levando no bico.  

As cercas, os caminhos, as cocheiras, os estábulos são colocados e nós aceitamos e seguimos como manada, obediente e crente.

De pão em pão, de circo em circo, as diferenças de classes vão se aprofundando, as distâncias se agigantam e a capital se distancia das províncias e dos subúrbios.

O sistema só entende um idioma: a ação que o ameaça de fato.