Quem precisa de um emprego?
A colocação profissional é um drama para
muitos.
a
liberdade financeira, uma conquista de poucos.
a
vida e a liberdade, um direito de todos.
Lembro-me
que quando chegou a hora de eu entrar no mercado de trabalho, quando isso
passou a ser uma exigência dos meus pais e da sociedade, eu tinha uns 14 ou 15
anos, vivi um drama terrível, que me fez muito mal, não pelo fato de eu ter que
trabalhar, mas porque eu ainda não sabia o que fazer, não tinha profissão e não
era fácil conseguir emprego na cidadezinha onde eu morava.
Foi
nesta época que minha autoestima começou a ser detonada e que comecei a pensar até
em suicídio.
Meio
dramático, não? Mas esta é uma verdade minha e pode ser a de mais alguém.
Além
disso, ao longo da minha vida, eu vi muita gente vivendo problemas familiares,
fim do casamento, separações dramáticas, em grande parte por causa de dificuldades
financeiras, passei por isso também, mais vezes do que eu gostaria.
E
hoje temos no Brasil mais de 12 milhões de desempregados e muitos milhões que já
desistiram de procurar emprego.
Muitos
ainda pensam que um homem para ser digno de respeito tem que ter um emprego com
carteira assinada e permanecer em uma mesma empresa por vários anos.
Eu
sempre achei deprimente e triste saber que alguém se manteve empregado numa
mesma empresa por 20, 30 anos. Enquanto alguns se orgulhavam disso, tinham isso
como algo bom, sinônimo de sucesso, eu sentia pena.
Será
que não há outros caminhos seguros e dignos?
Alguns
especialistas afirmam que este sistema está com os dias contados, que
futuramente não haverá mais carteira de trabalho, emprego com benefícios, estas
coisas que ainda temos no Brasil, mas que em alguns países do mundo não existem.
Aqui
mesmo decisões políticas já indicam que este quadro deverá mudar e os avanços da
tecnologia também já começaram uma revolução nas relações de trabalho há algum
tempo.
Hoje
em dia é possível você trabalhar para mais de uma empresa estando em qualquer
lugar do mundo. Mas o processo de transição pode ser traumático para grande
parte das pessoas. Nem todos estão preparados para esta nova configuração e já
começam a sentir na pele os efeitos dela.
Esta
ideia de emprego e estabilidade, que é ilusória, povoa ainda nossa cultura de forma
perigosamente forte.
Certa
vez eu estava dando aula para uma turma de terceiro ano do Ensino Médio e
perguntei-lhes porque iam para a escola. A resposta de um dos alunos traduziu o
pensamento da maioria e me surpreendeu negativamente.
Ele me disse que ia para a escola para ser alguém na
vida.
Esta
resposta me causou uma sensação ruim, um desconforto, certa tristeza. Porque
aqueles jovens estavam me dizendo que você precisa ir à escola para ser alguém
na vida, se não vai então será considerado ninguém, na vida? É isso mesmo?
Aquela
era uma escola de período integral, com cursos técnicos profissionalizantes, que
se orgulhava de formar o que eles chamavam de “chão de fábrica”. Veja só esta
expressão: “chão de fábrica”. Aquela classe formada por operários, por
operadores de máquinas, mecânicos de máquinas, torneiros mecânicos, eletricistas
então é considerada chão, chão de fábrica.
E
a isso os alunos chamavam “ser alguém na vida”.
E
eu pensei:
a
que se reduziu o ser humano para pensar que isso é a vida e é ser alguém na vida?
A
que foi reduzida a vida?
Eu
pedi uma melhor explicação aos alunos sobre este “ser alguém na vida” que me
tinham falado. Um deles me explicou, com o estranhamento de quem explicava o
óbvio a um professor que já deveria saber aquilo:
“ora, professor, é ser alguém na vida,
ter um emprego, uma casa, um carro e família.”
Ah,
então é isso? É isso que colocam na cabeça dos jovens, que a vida é isso?
Este
é um aspecto que pode ser muito importante para algumas pessoas, mas é somente
um aspecto da vida, e não a vida, a vida me parece ser muito maior do que isso.
E
aqueles homens e mulheres que não quiserem ter emprego, casa, carro e família
não serão dignos de ser alguém na vida?
Eles
não têm o direito de fazerem outras escolhas e ainda assim serem alguém na vida?
Só
há esta opção de vida?
Quem
vai à escola, para ter um emprego, para ser alguém na vida e não consegue? Como
fica esta pessoa? Como ela se sentirá? São estas que chamam de fracassados? Seria
mesmo uma culpada não conseguir um emprego fixo com carteira assinada que lhe
desse casa, carro e família?
Eu
só disse para os alunos que eles já eram alguém na vida muito antes de irem para
a escola pela primeira vez, porque eram amados por seus pais e amavam também,
porque eram importantes para alguém e porque alguém era importante para eles.
Que ser alguém na vida nada tem a ver, ou não deveria ter a ver com emprego,
profissão e capacidade de consumo.
Inverteram os
valores: o emprego, a profissão e o consumo foram colocados como valores acima
da vida ou como sinônimo de vida.
Tanto
é assim que um número assustadoramente grande de pessoas que não consegue se encaixar
neste modelo, dar conta dessa demanda, acabam cometendo suicídio.
Há
um exemplo emblemático ocorrido no Brasil, de um engenheiro que vivia com
esposa e filhos em um condomínio de luxo no Rio de Janeiro, que ao perder o
emprego e ver que não ia mais conseguir manter o padrão de “vida”, ou seja, de
consumo, matou a esposa, os filhos e se jogou do prédio onde morava.
E
há cada vez mais casos de suicídio entre jovens e adolescentes que vivem desde pequenos sob essa pressão de serem alguém na vida, sob
a ameaça de que, senão fizerem isso ou aquilo, assim ou assado, então não serão
ninguém na vida.
Primeiro
você é concebido no útero materno, e já é alguém na vida.
Depois
você nasce, e já é alguém na vida.
Você
brinca com as outras crianças, faz amizades, está no seio de uma família,
cresce, se apaixona, ama, sofre, erra e acerta, e já é alguém na vida.
A
profissão é um aspecto da vida, a casa é um aspecto da vida, a posição social é
um aspecto da vida, o consumo é um aspecto da vida, a arte é um aspecto da
vida, o carro, os amores, a bicicleta, as viagens, as dores, as emoções, os
relacionamentos são aspectos da vida, mas cada um é só um aspecto da vida, não
a vida toda. A soma de tudo isso e muito mais é que é a vida.
Quando
qualquer um destes aspectos ou pouco deles passa a significar a vida toda,
quando ele falta ou falha, o sentido da vida se vai, sem que tenhamos condições
de enxergar a vida como um todo, muito maior, mais bonita e complexa do que
aquele único aspecto que falhou.
Você
já é alguém na vida desde a sua concepção e nascimento. Não precisa de um emprego,
de sucesso profissional e no casamento para ser alguém na vida. Inverta estes
valores, para começar, vamos voltar a este assunto.
Liberte-se.
Espero
que este artigo tenha contribuído em algo para você.
Até
o próximo.