domingo, 27 de outubro de 2019

Muito prazer: Bicho-Papão.


Viajando com o Bicho-Papão



Certa vez, viajei de moto pelo sul da Argentina, Patagônia, Terra do Fogo, até Ushuaia. Fui com um “amigo”, mas acabei tendo que retornar sozinho por motivo que não merece atenção agora.

Em duas ocasiões dormi no pátio de postos de combustível, uma noite foi na Patagônia e outra foi próximo de Buenos Aires. Encostei a moto, deitei ao lado dela, na calçada, e dormi ali mesmo.

Outra vez, em outra viagem pelo norte da Argentina, quando fui para o Chile, tive que dormir no centro de uma cidade, na calçada, debaixo de uma marquise, ao lado da moto.

E sabe o que me aconteceu?

Nada. Dormi tranquilo.

Já viajei sozinho, com pouco dinheiro, pilotando durante dias por regiões desertas e nunca, jamais, me senti ameaçado ou em perigo. Nunca passei por situação de violência, mesmo dormindo na rua em barraca ou totalmente exposto.

Aliás, minto, duas vezes cheguei perto de me sentir ameaçado. As duas vezes foram com a polícia e não com bandidos.

Na Argentina, policiais exigiram que entregasse a eles os 150 pesos que eu tinha na carteira para me liberar, porque eu estava sem o seguro carta verde. E outra vez foi com a polícia da imigração, ao passar de Argentina para o Chile, em passo Jama, na Cordilheira dos Andes. Apreenderam a máquina fotográfica de um amigo meu porque ele bateu foto no pátio da imigração, outra estratégia para pedir propina. Mas foi só isso.

Mas na rua, na estrada, nas cidades, com as pessoas de todos os lugares por onde andei eu tive apenas cordialidade, respeito e colaboração.

Não tenho medo de viajar sozinho por onde quer que seja, comprovei que o mundo é um lugar seguro.

É claro que alguns cuidados são necessários e existem pessoas más em qualquer lugar do mundo, mas não são maioria nem é a tragédia, o flagelo que a televisão mostra.

A não ser que a pessoa procure, provoque, atraia situações de violência.

A cultura do medo


A pessoa que assiste muita TV, principalmente os telejornais, coloca-se em contato com uma avalanche de notícias ruins, de violência, de roubo, assaltos, assassinatos, corrupção, morte, crueldade.

Por que é assim?

Porque é isso que grande parte das pessoas quer ver. É isso que as pessoas gostam de consumir e a TV vende o que as pessoas querem comprar, é disso que ela vive.

É claro que, se destacarmos somente as notícias ruins do mundo e passarmos na televisão, quem estiver assistindo ficará com a impressão de que só acontecem coisas ruins, que o mundo é só violência, que ninguém está seguro em lugar nenhum, que o mundo é um inferno.

Mas quem está nas ruas do mundo, quem viaja pelo mundo sabe que a realidade não é somente essa.

Existe a criminalidade e a violência?

Sim, existe.

Mas a escala de violência e criminalidade ainda é bem menor do que a escala da bondade. A maioria das pessoas ainda é cordial, receptiva, altruísta, solidária.

Conheço pessoas que estão viajando há anos pelo mundo todo, das mais diversas formas, dormindo em barracas, em seus carros, na casa de pessoas que acabaram de conhecer e estão seguras, se sentem seguras, sem medo e nunca sofreram violência. Nem mesmo em países em conflito ou em regiões tidas como violentas.

O mundo que encontramos lá fora não é o que a televisão mostra. É muito maior, mais lindo e melhor.

Mas a cultura do medo é o mais antigo e eficiente instrumento de controle e dominação que existe.

E começa em casa, com os pais usando esta estratégia para controlar a criança.

“Se você fizer isso o Bicho-Papão te pega”.

“Cuidado, não vá! Não faça, é perigoso! Você vai se machucar! A Cuca te pega! A polícia te prende! O homem do saco te carrega! Se você fizer isso a mãe e o pai ficarão tristes.”

Depois vai evoluindo.

 “É pecado, Deus vai te castigar! Você vai perder a salvação! Vai queimar no inferno! Olha a ira de Deus! Se der chance, o diabo te destrói! Não pode perder o emprego! Se continuar assim nunca será ninguém na vida! Vai acabar sozinho! Vai rodar! Vou te dar nota baixa...”

Tenho certeza de que você conhece muitas outras expressões deste tipo.

Em um outro estágio, na esfera social, os meios de comunicação e as instituições de controle utilizam da mesma estratégia para controlar e para fazer a população comprar, consumir sensação de segurança. Por isso a insegurança e o medo são tão importantes.

A segurança passa a ser perseguida quase que doentiamente, mesmo sob situações humilhantes. Em um mundo em que o medo prevaleça, as pessoas não se importam mais em perder tudo o que têm, até a dignidade, para se sentirem seguras. Pagam qualquer preço, fazem qualquer coisa.

Espalhando o medo de doenças se vende remédio.

Espalhando o medo da violência e a impotência do Estado em contê-la se vende armas, carros blindados, segurança privada, cursos de defesa pessoal, alarmes, seguros, grades, câmeras de vigilância e se mantem as pessoas em casa assistindo TV, comendo ansiosamente e depois comprando remédios.

Espalhando o medo do inferno, da ira de Deus ou da miséria humana e financeira se arrecada dízimo e submissão.

Espalhando o medo de crise se matem o empregado obediente no seu emprego por mais infeliz que esteja e por mais humilhado que seja.

Espalhando o medo da escassez e da fome se promove corrida aos supermercados e aumento de consumo.

Espalhando o medo do inverno mais rigoroso dos últimos 100 anos se vende mais aquecedores, roupas de inverno, pacotes de viagens para regiões mais quentes...

Espalhando o medo do verão mais rigoroso dos últimos 60 anos se vende mais ar condicionados, roupas de verão, pacotes de viagens...

Espalhando o medo do terrorismo se mantém a população obedecendo cegamente a qualquer ordem que contenha a expressão “ameaça de ataque terrorista”.

E uma lista quase infinita de estratégias de manipulação das pessoas por meio do medo poderia ser escrita aqui, mas não há espaço.

Veja como age o marketing, as expressões que usa.


“últimas vagas”; últimas unidades”; “você não pode perder”; “você não pode ficar de fora”; “se quer ter uma carreira de sucesso, garanta a sua matrícula, compre já”; “se cometer estes erros sua empresa vai falir”; “se você não fizer seu concorrente fará”; “você quer mesmo perder espaço no mercado, perder clientes?”; “se continuar fazendo assim vai perder recursos”; “nós temos a solução...”.

O medo do fracasso, de perder, de ficar de fora de algo maravilhoso, de não acompanhar a tendência, de perder o marido se não estiver de acordo com o padrão de beleza, de perder a esposa, de perder a casa, de perder oportunidades, de perder dinheiro se não aprender a fórmula mágica, se não comprar o produto ideal. 

É sempre sobre o medo, a ganância e a vaidade. Os principais anzóis com os quais os humanos são fisgados. Mas o medo é o principal.

Tanto é assim que a tortura é o meio mais eficaz de tirar informação de alguém, pelo medo da dor, da perda, do sofrimento de quem ama, confessa-se até o que não se fez.

Pelo medo as pessoas fazem qualquer coisa.

É por isso que, em um país do tamanho do Brasil, em um planeta do tamanho da terra, com a diversidade que têm, você encontra as mesmas notícias em todos os canais de tevê, em todos os jornais impressos, em todas as publicações, programas de rádio e sites de notícias.  Porque todos seguem a mesma agenda.

É claro que existem infinitas coisas maravilhosas para se mostrar. É claro que acontecem milhões de cosias maravilhosas e horríveis a todo instante no mundo todo. Mas todos os meios de comunicação noticiarão aquele mesmo assassinato, aquele mesmo desastre, aquela mesma crise. Porque obedecem a mesma agenda, estrategicamente pensada e elaborada.

Porque se sabe exatamente que tipo de reação se quer provocar na população, como fazer para obtê-la e qual resultado ela trará.

Isso não é teoria da conspiração, é uma análise pessoal, baseada em formação acadêmica e experiência profissional, mas que você não precisa e não deve aceitar. Só precisa pensar um pouco sobre o que acabou de ler antes de engolir ou de cuspir fora.

Não se trata de demonizar o jornalismo, o marketing ou os meios de comunicação, trata-se de lidar com a informação de forma crítica, analítica, sem aceitá-la ou rejeitá-la de imediato, mas sempre estudando e pensando sobre ela.

Nenhuma notícia ou informação nos chega, seja através da TV, da internet ou da igreja, sem antes receber um tratamento especial para cumprir um propósito determinado. Nenhuma.

Penso nisso tudo como o Mito da Caverna, de Platão.

Se ficarmos somente olhando passivamente para as informações que nos chegam, como as sombras na parede da caverna, perderemos o contato com a realidade, a coragem de encarar o mundo real e até a crença na sua existência, como resultado da desinformação.


2 comentários:

  1. Bom texto Lu! Excelente reflexão. Isso tá presente em tudo mesmo, né?

    Saudades meu amigo.

    Grande abraço

    Danny Andrey

    ResponderExcluir