Uma história para pensar
Há poucos dias eu vi uma
reportagem na TV que mostrava um urso pardo vivendo em uma área espaçosa em um
zoológico. Embora a área fosse cercada, era arborizada, grande, com troncos e
obstáculos, pequenos morros e inclusive um lago.
Mas o pobre urso não
aproveitava toda aquela área, ele só usava sempre o mesmo espaço, de 5 a 10
metros, e ficava caminhando de um lado para o outro sem parar, com aparência de
demente, triste, deprimido. A imagem era de cortar o coração.
A explicação para isso é que
ele viveu muito tempo em uma jaula e se condicionou a andar de um lado para o
outro, de uma parede a outra, em frente a grade.
E isso me fez pensar naquela história
da águia que vivia como galinha.
Na boiada que aceita os
limites de uma cerca que ela pode estourar facilmente.
No cavalo que aceita o comando
de uma rédea que na verdade não tem nenhum poder sobre ele.
E pensei nas pessoas que vivem
presas por limites imaginários, porque desconhecem a força que têm e porque adotaram
crenças que limitam a vida e aprisionam a alma.
Pensei nos 99% da população
mundial, controlada e explorada por aquele 1% que cria as cercas, amarra os
laços, puxa as rédeas e estala o chicote do medo.
Ursos e homens, para se libertarem,
só precisam acreditar na força que têm, se desfazer das crenças limitantes, pensar
fora da jaula.
Entender como os
condicionamentos funcionam é um bom começo, que pode até não levar à mudança do
mundo, mas leva à mudança do seu mundo.
E a comparação do homem com
animais não é ofensiva, pois pertencemos ao reino animal e como temos muitas
diferenças também temos muitas semelhanças.
Além disso, usar a natureza
para aprender e melhorar não é ofensivo.
Um indivíduo não molda a cultura, mas a cultura molda os indivíduos.
Parece natural de você a forma
como você vive, né?
Mas não é.
É só resultado da cultura em
que você está inserido.
Não me refiro à cultura como
manifestação cultural: teatro, literatura, música, cinema, pintura...
Refiro-me à cultura como o
conjunto de hábitos, procedimentos, procederes, costumes, que moldam o modo como
uma pessoa vive, como pensa, como vê e entende o mundo e a si mesma.
Há um número enorme de estudos
acadêmicos, teorias, pesquisas científicas, ensaios de pensadores sobre a
cultura. Desde que o homem é homem ele pensa sobre seu agir, sobre suas reações,
como vive, como pensa, como se relaciona, como é sua sociedade e como se tornou
quem é.
Praticamente tudo em uma
pessoa, desde o jeito de andar, o modo como se alimenta, a maneira como usa o
banheiro até a leitura que faz do mundo e como se vê é determinado pela
cultura.
E cultura não é algo físico,
que se possa pegar, é virtual, transmitida do meio para o indivíduo, passada de
geração em geração, do social para o individual.
Para melhor entender, eu costumo
comparar a cultura com um software, um programa que se instala em nós e nos faz
ser quem somos. Sei que esta maneira de entender e explicar a cultura não
agrada a todos, mas é a minha maneira.
Desta forma, quase nada do que
eu sou é autêntico, no sentido de ser original, não criei quase nada em meu
modo de ser, em minha identidade como sujeito no mundo, tudo foi e é determinado
pela cultura, cada hábito, como olho para o mundo e para as pessoas, como vejo,
como entendo. Obedeço a um programa.
Portanto, eu, sozinho, ou
qualquer pessoa, por mais que faça, não pode mudar a cultura. Ela se forma e se
modifica pelo agir das massas, dos povos, por um processo que se dá ao longo de
anos, desencadeado por forças gigantescas.
Por exemplo: uma vez, há
muitos anos, era cultural em algumas regiões do Brasil as crianças pedirem a benção
para o pai e para a mãe antes de irem dormir. Hoje não é mais.
Por mais que uma única pessoa
deixasse de fazer isso antigamente ela não mudaria a cultura de uma nação
inteira sozinha, outros fatores influenciaram nesta mudança, que foi acontecendo
devagar, como um processo, ao longo de muitos anos.
Os filhos faziam isto e os
pais exigiam que fizessem enquanto o software estava rodando, à medida que o
programa foi sendo modificado as pessoas lentamente foram mudando seus hábitos.
Em alguns povos, as pessoas comem
pegando o alimento do prato com as mãos e levando-os diretamente à boca, sem
que isso pareça estranho, pelo contrário, é visto como algo natural. Já para
nós, aqui no Brasil, e para outros povos do mundo, o natural é usar talheres,
comer com as mãos parece estranho.
Nem um nem outro é natural, os
dois modos de comer são determinados pela cultura, não faz parte de uma decisão
pessoal e independente dos indivíduos destes povos.
O homem tem facilidade de naturalizar
as coisas, mesmo aquelas que no início pareçam muito estranhas e até
inadmissíveis. O homem das cavernas não usava talheres, mas eu e você hoje
achamos natural usá-los.
Em uma certa nação, pedir sal
em um restaurante ou lanchonete é uma ofensa grave, uma grosseria. Mas parece
natural para eles se sentirem ofendidos se alguém faz isso. O fato gera um
sentimento, mas não há nada de natural nisso, é determinado pela cultura.
Natural é respirar, em
qualquer povo e em qualquer lugar da terra.
Natural é sentir fome, cede, tesão.
Natural deveria ser o instinto
de autopreservação e de preservação da espécie, do ouro.
Natural deveria ser a desobediência
às rédeas, às cercas, às correntes.
Mas como o simples ato natural
de pegar o alimento com a mão e comer tornou-se um absurdo, porque um dia alguém
resolveu fabricar e vender talheres, pensar e viver fora da caixa também se tornou
inaceitável, um absurdo e um ato de violência. Isso é repressão.
Neste sentido, a liberdade se
dá em níveis diferentes, desde uma postura mais radical e extrema frente à
cultura dominante e aos diferentes tipos de limitações e aprisionamentos, até uma
vida apenas mais consciente de tais condicionamentos, com um pouco mais de
independência.
Fora isso há a total ignorância,
a ingenuidade, ou aquele positivismo crente de que as jaulas são para a proteção,
as rédeas são para dar a direção necessária e as amarras são naturais, inevitáveis
e benéficas.
A partir do momento em que se
passa a saber, tudo é uma questão de escolha.
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