domingo, 10 de novembro de 2019

UM URSO NA JAULA DE ISOPOR





Uma história para pensar


Há poucos dias eu vi uma reportagem na TV que mostrava um urso pardo vivendo em uma área espaçosa em um zoológico. Embora a área fosse cercada, era arborizada, grande, com troncos e obstáculos, pequenos morros e inclusive um lago.  

Mas o pobre urso não aproveitava toda aquela área, ele só usava sempre o mesmo espaço, de 5 a 10 metros, e ficava caminhando de um lado para o outro sem parar, com aparência de demente, triste, deprimido. A imagem era de cortar o coração.

A explicação para isso é que ele viveu muito tempo em uma jaula e se condicionou a andar de um lado para o outro, de uma parede a outra, em frente a grade.

E isso me fez pensar naquela história da águia que vivia como galinha.

No elefante que fica amarrado a uma estaca que ele pode arrancar com facilidade.

Na boiada que aceita os limites de uma cerca que ela pode estourar facilmente.

No cavalo que aceita o comando de uma rédea que na verdade não tem nenhum poder sobre ele.

E pensei nas pessoas que vivem presas por limites imaginários, porque desconhecem a força que têm e porque adotaram crenças que limitam a vida e aprisionam a alma.

Pensei nos 99% da população mundial, controlada e explorada por aquele 1% que cria as cercas, amarra os laços, puxa as rédeas e estala o chicote do medo.

Ursos e homens, para se libertarem, só precisam acreditar na força que têm, se desfazer das crenças limitantes, pensar fora da jaula.

Entender como os condicionamentos funcionam é um bom começo, que pode até não levar à mudança do mundo, mas leva à mudança do seu mundo.

E a comparação do homem com animais não é ofensiva, pois pertencemos ao reino animal e como temos muitas diferenças também temos muitas semelhanças.

Além disso, usar a natureza para aprender e melhorar não é ofensivo.

Um indivíduo não molda a cultura, mas a cultura molda os indivíduos.


Parece natural de você a forma como você vive, né?

Mas não é.

É só resultado da cultura em que você está inserido.

Não me refiro à cultura como manifestação cultural: teatro, literatura, música, cinema, pintura...

Refiro-me à cultura como o conjunto de hábitos, procedimentos, procederes, costumes, que moldam o modo como uma pessoa vive, como pensa, como vê e entende o mundo e a si mesma.

Há um número enorme de estudos acadêmicos, teorias, pesquisas científicas, ensaios de pensadores sobre a cultura. Desde que o homem é homem ele pensa sobre seu agir, sobre suas reações, como vive, como pensa, como se relaciona, como é sua sociedade e como se tornou quem é.

Praticamente tudo em uma pessoa, desde o jeito de andar, o modo como se alimenta, a maneira como usa o banheiro até a leitura que faz do mundo e como se vê é determinado pela cultura.

E cultura não é algo físico, que se possa pegar, é virtual, transmitida do meio para o indivíduo, passada de geração em geração, do social para o individual.
Para melhor entender, eu costumo comparar a cultura com um software, um programa que se instala em nós e nos faz ser quem somos. Sei que esta maneira de entender e explicar a cultura não agrada a todos, mas é a minha maneira.

Desta forma, quase nada do que eu sou é autêntico, no sentido de ser original, não criei quase nada em meu modo de ser, em minha identidade como sujeito no mundo, tudo foi e é determinado pela cultura, cada hábito, como olho para o mundo e para as pessoas, como vejo, como entendo. Obedeço a um programa.

Portanto, eu, sozinho, ou qualquer pessoa, por mais que faça, não pode mudar a cultura. Ela se forma e se modifica pelo agir das massas, dos povos, por um processo que se dá ao longo de anos, desencadeado por forças gigantescas.

Por exemplo: uma vez, há muitos anos, era cultural em algumas regiões do Brasil as crianças pedirem a benção para o pai e para a mãe antes de irem dormir. Hoje não é mais.

Por mais que uma única pessoa deixasse de fazer isso antigamente ela não mudaria a cultura de uma nação inteira sozinha, outros fatores influenciaram nesta mudança, que foi acontecendo devagar, como um processo, ao longo de muitos anos.

Os filhos faziam isto e os pais exigiam que fizessem enquanto o software estava rodando, à medida que o programa foi sendo modificado as pessoas lentamente foram mudando seus hábitos.

Em alguns povos, as pessoas comem pegando o alimento do prato com as mãos e levando-os diretamente à boca, sem que isso pareça estranho, pelo contrário, é visto como algo natural. Já para nós, aqui no Brasil, e para outros povos do mundo, o natural é usar talheres, comer com as mãos parece estranho.

Nem um nem outro é natural, os dois modos de comer são determinados pela cultura, não faz parte de uma decisão pessoal e independente dos indivíduos destes povos.

O homem tem facilidade de naturalizar as coisas, mesmo aquelas que no início pareçam muito estranhas e até inadmissíveis. O homem das cavernas não usava talheres, mas eu e você hoje achamos natural usá-los.

Em uma certa nação, pedir sal em um restaurante ou lanchonete é uma ofensa grave, uma grosseria. Mas parece natural para eles se sentirem ofendidos se alguém faz isso. O fato gera um sentimento, mas não há nada de natural nisso, é determinado pela cultura.

Natural é respirar, em qualquer povo e em qualquer lugar da terra.

Natural é sentir fome, cede, tesão.

Natural deveria ser o instinto de autopreservação e de preservação da espécie, do ouro.

Natural deveria ser a desobediência às rédeas, às cercas, às correntes.

Mas como o simples ato natural de pegar o alimento com a mão e comer tornou-se um absurdo, porque um dia alguém resolveu fabricar e vender talheres, pensar e viver fora da caixa também se tornou inaceitável, um absurdo e um ato de violência. Isso é repressão.

Neste sentido, a liberdade se dá em níveis diferentes, desde uma postura mais radical e extrema frente à cultura dominante e aos diferentes tipos de limitações e aprisionamentos, até uma vida apenas mais consciente de tais condicionamentos, com um pouco mais de independência.

Fora isso há a total ignorância, a ingenuidade, ou aquele positivismo crente de que as jaulas são para a proteção, as rédeas são para dar a direção necessária e as amarras são naturais, inevitáveis e benéficas.

A partir do momento em que se passa a saber, tudo é uma questão de escolha.


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