“Não
sabendo que era impossível, ele foi lá e fez.”
Jean Cocteau
Sabe
aquela pessoa que passa 15, 20, 30 anos no mesmo emprego, morando na mesma rua,
frequentando os mesmos lugares?
Pois
é, ele era assim. Ele era uma destas pessoas.
Não
sei você, mas eu já vi pessoas assim falarem com orgulho que estão há 30 anos
no mesmo trabalho, fazendo as mesmas coisas, vivendo do mesmo jeito.
Não
entendo como isso é possível e como um ser humano pode se orgulhar de uma
desgraça desta.
Acho
que quem vive muito tempo do mesmo jeito, frequentando os mesmos lugares e
pensando do mesmo modo já parou de viver sem deixar de existir. Não há mudança,
não há progresso, não há crescimento, não há transformação, nada.
Apesar
de ele trabalhar há 16 anos em um emprego medíocre, em um subsolo escuro, de
ser uma pessoa solitária, metódica, medrosa, ele acalentava no fundo de sua
alma o sonho de ser diferente, o sonho de que era um aventureiro corajoso, um
homem de inciativa, destemido, com atitude, um revolucionário admirado.
De
vez em quando ele tinha uma espécie de apagamento, ficava imaginando ser um
tipo de super-herói, realizando alguma proeza, alguma aventura. Imaginava-se um
homem corajoso, de iniciativa, sedutor e que a mulher por quem ele nutria uma
paixão secreta se enchia de admiração por ele e se entregava em seus braços
apaixonada.
Vai,
confessa, você reconhece isto, talvez até já tenha se imaginado assim.
Ele
se imaginava fazendo o contrário do que fazia no seu dia-a-dia, porque agia com
medo, com timidez e com baixa autoestima. Achava que uma vida interessante só
era possível para aqueles que tinham algo especial, não para ele, que era só uma
pessoa comum, sem dinheiro nem dons especiais.
Refiro-me
ao protagonista e à trama do filme A Vida Secreta de Walter Mitty, de 2013, que
conta a história de um simples encarregado da seção de negativos de uma
revista. Ele permaneceu no mesmo emprego por 16 anos e não viveu nenhuma
aventura do tipo que ele imaginava.
Por
outro lado, ele era muito bom no seu trabalho, dedicado e competente. O que ele
fazia garantia a fama e o sucesso do fotógrafo e da revista, mas ele mesmo não
aparecia, vivia em ambientes com pouca luz, lidando com negativos de
fotografias, em completo anonimato. O patrão e os colegas de cargos mais altos
e interessantes o depreciavam por isso e ele mesmo se desvalorizava.
Certo
dia sumiu o negativo da foto que seria a última capa da revista, uma foto
histórica, que prometia encerrar a existência da revista em grande estilo.
Walter
Mitty então resolveu ir atrás do fotógrafo para saber o que havia acontecido
com aquele negativo, mas o fotógrafo vivia viajando pelo mundo.
Foi aí que,
movido por grande curiosidade, juntando toda a coragem que conseguiu reunir,
indo contra a vontade do seu chefe, que o ridicularizou e humilhou diante dos seus
colegas de trabalho, algumas mudanças e descobertas aconteceram. Meio no susto, é verdade, quase que por
acaso, mas a vida é assim mesmo, para apanhar sol, ou chuva, só é preciso sair
de dentro de casa.
Na
pista do fotografo ele foi para a Groenlândia, lá subiu num helicóptero com um
piloto bêbado para chegar num navio, pulou no mar, brigou com um tubarão, foi
resgatado pelo navio, navegou até a Islândia, escapou da erupção de um vulcão e
não encontrando o fotógrafo voltou para casa. Foi demitido da revista.
Em
casa, com sua mãe, descobriu que o fotógrafo estava no Afeganistão, na
Cordilheira do Himalaia, para fotografar uma espécie rara de tigre, e foi para
lá.
Depois
de uma longa viagem, encontrou-se com o fotógrafo e descobriu que o negativo da
foto que procurava estava na casa dele mesmo, dentro de uma carteira de couro
que o fotógrafo havia mandado para ele de presente e que ele havia jogado no
lixo.
Paramos
por aqui o spoiler, porque vale a pena assistir ao filme, além da linda
história, tem cenas engraçadas, trilha sonora linda e fotografia de tirar o
fôlego.
Ao
final do filme, vem a frase de Jean Cocteau na cabeça da gente: “Ele não sabia que era impossível. Foi lá e fez”.
A lição
Walter Mitty venceu o medo, soltou as amarras
que ele mesmo criou para si, tomou a decisão de fazer e então fez.
Mas fez a partir da sua humildade, da sua
responsabilidade e paixão em realizar o trabalho que amava.
Não fez para ficar famoso ou rico, fez por
amor, por paixão, e então se enriqueceu.
Ele descobriu que era capaz de realizar o que
quisesse, até as mais inusitadas aventuras. E precisou apenas de um primeiro
passo, uma primeira decisão.
Tudo o que ele imaginava nos seus apagamentos
imaginativos, nas suas viagens mentais, acabou acontecendo, porque “a
imaginação é mais poderosa do que o conhecimento”, disse Albert Einstein.
Quando somos crianças é comum brincarmos de
super-heróis e nos imaginarmos realizando as maravilhas que os super-heróis das
telas e dos quadrinhos realizam. Mais tarde, na adolescência, seguimos imaginando
que realizaremos coisas incríveis “quando crescer”, quando ficarmos
independentes.
Depois de adultos somos engolidos pelas responsabilidades,
pela rotina, pelo cotidiano, pelo medo, pela ganância, pelas dúvidas, pela insegurança
e acabamos deixando morrer os sonhos e a imaginação.
A lição de Walter Mitty é que cada pessoa tem
em si um super-herói, não como dos quadrinhos da infância, mas como ser humano,
sempre que busca o que ama com amor, coragem e dedicação, não se deixando
desvalorizar, jamais, nem por outros nem por si mesmo.
Se o fotógrafo era famoso e aventureiro, era também
por causa daquele que cuidava de forma primorosa dos negativos das suas fotos.
Ninguém é super-herói sozinho, mas no ato de compartilhar a vida todos somos,
não importa a função que temos.
Walter Mitty descobriu que o potencial para o
extraordinário estava dentro dele e só podia ser libertado por ele mesmo. Sem
esta convicção de nada adiantava o mundo oferecer a ele as oportunidades mais
incríveis e com ela até o mais singelo pode se tornar uma grande aventura.
Vivemos em uma era em que há muitos exemplos reais
de que a vida pode ser extraordinária se a gente soltar as amarras e dar o
primeiro passo, acreditar e perseguir nossos sonhos.
Às vezes será necessário uma ou duas doses de rebeldia,
ousadia e coragem, como foi para Walter Mitty, ou passaremos toda uma vida nos
porões dos nossos medos, de nossas inseguranças, das amarras e das limitações que
a sociedade nos coloca e que nós mesmo colocamos em nossa mente.
E é verdade que o Universo conspira para a realização dos
sonhos daqueles que não desistem deles e vão em busca com força e vontade inquebrantável.
E estes são super-heróis para si mesmos.
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