domingo, 29 de março de 2020

A REVOLUÇÃO DO VÍRUS


Ou o vírus da revolução



Crises são ótimas para aprender e mudar. Dificilmente acontecem mudanças significativas de forma espontânea. Às vezes é preciso um empurrãozinho, ou um pé na bunda, mesmo.

Esta, em especial, apensar da tragédia de tantas mortes, têm sido “ótima” pra desvendar um aspecto bem interessante da nossa organização social.

A impressão que se tem, no nosso dia-a-dia, é que vivemos todos juntos em harmonia. Que nossa vida real é trabalhar e ganhar nosso sustento e da nossa família. E que fazemos isso porque somos livres e escolhemos. Mas você já parou para pensar que isso pode não ser bem verdade?

Veja a divisão das fotos.

O Lado A mostra condomínios de luxo, em área nobre, caríssimos até de chegar perto. Só de passar pela frente ficamos ainda mais pobres.

O lado B mostra a periferia pobre, um bairro carente, uma comunidade, uma favela, o nome não muda o que ela é e como se vive ali.

A distância, a diferença entre o Lado A e o lado B é estratosférica, incalculável, inimaginável.

Com a atual crise do corona vírus, com a quarentena e a ameaça de morte pela doença de um lado e a crise financeira do outro, surgiram algumas interpretações.


Interpretação 1

O Lado A é mau, como está no conforto e não vai passar falta, quer que a quarentena continue, por isso está pressionando os meios de comunicação pela manutenção da quarentena.

Já o lado B precisa pagar as contas e alimentar os filhos, quer voltar a trabalhar, precisa que a quarentena acabe. Ainda mais que o agravamento da crise financeira pode causar mais desemprego e fome.

Desta forma, os governantes que querem o retorno das atividades estão a favor do lado B (dos pobres) e os governantes que querem a manutenção da quarentena estão a favor do Lado A (dos ricos).

Interpretação 2

O Lado A é bom, está preocupado com a crise financeira e o aumento do desemprego, quer o retorno das atividades normais, para que possam salvar seus negócios, suas empresas e os empregos dos do lado B. E para que quem é do lado B possa voltar ao trabalho, garantir seu emprego, sua sobrevivência e o bem estar da sua família.

Como o lado B sente que precisa mesmo voltar a trabalhar, junta-se o útil ao útil. É bom para todo mundo. Todos juntos unidos salvando a economia do país e a de casa.

Ah, mas e o vírus, gente?

Bom, o vírus existe (para alguns, para outros não), é um problema e alguns morrerão, mas é um percentual aceitável diante de toda a população que sofreria com os efeitos da crise.

Estas são versões criadas por quem detém os meios e as ferramentas para disseminar as ideias. O lado B é obediente: se disserem que é grave e tem que ficar em casa, sem salário, irão ficar até as últimas consequência e ainda farão uma corrente de solidariedade para ajudar os vizinhos mais necessitados. Já estão acostumados com crise, dificuldade e necessidade, são criativos e capazes de criarem saídas para irem contornando as carências. Claro que não sem muito sofrimento e percalços, nada é um mar de rosas.

Mas quem é que compõe o Lado A e quem é que compõe o lado B?



No Lado A estão os grandões e poderosos, donos da riqueza e do luxo, das grandes companhias, dos conglomerados empresariais, os financistas, milionários, bilionários, megainvestidores. No Lado A estão “os Pão de Açúcar”, “os Itaú”, “os Santander”, “os Bradesco”, “os Rede Globo”, os donos das financeiras e das seguradoras que seguram as financeiras e os bancos. Os donos das construtoras, das petrolíferas, das distribuidoras, das farmacêuticas, dos estaleiros, dos navios, das companhias aéreas...

No Lado A estão aqueles que sua riqueza não tem fronteiras nem idioma e que podem mudar as leis de um país para se beneficiarem. Lá moram os donos dos políticos, de todos os políticos de todos partidos de todos os níveis do “poder público”. Lá moram os donos dos juízes, das polícias e das religiões.

Se você é um empresário que pode comprar alguns deputados e senadores e juízes e mudar a lei de um país para beneficiar suas empresas então vou chamar você de “rico do Lado A”.

Não? Não tem este poder? Então você é pobre, está no lado B junto com todos os outros. No lado B tem a faxineira separada que tem 4 filhos menores de idade, mas já tem 4 netos e come uma vez por dia para poder alimentar os outros. Tem o dono do mercadinho que tem um HB 20 e viaja nas férias. Tem o operário que tem uma filha na faculdade, tem o dono da lojinha, da vidraçaria, tem o chaveiro e o pedreiro. No lado B tem a professora, o vendedor e o artesão. No lado B também estão alguns vereadores, prefeitos e deputados, os policiais, os bombeiros, servidores públicos.

O Lado A é o lado do 1%. O lado B é o lado dos 99%.

No Lado A estão os donos do capital, da produção e dos produtos.

No lado B estão os que produzem e por produzirem recebem uma quantia (mínima possível, para que não sobre e não haja acúmulo ou enriquecimento) para que possam pagar seus impostos e consumirem. O que ganham retorna uma parte para o Estado e a outra parte para o pessoal do Lado A.

Ah, mas o Lado A também paga seus impostos. Paga, é verdade, proporcionalmente menos em relação aos do lado B, repassam no preço dos seus produtos para o consumidor pagar, ou seja, os do lado B, abatem com artimanhas fiscais, sonegam na cara dura e seus advogados vão rolando a dívida (conseguindo renegociar com centenas de nãos para pagar, como uns e outros).

Assim que nesta crise, quando tudo e todos pararam de produzir e de consumir, mesmo por pouco tempo, o Lado A e o Estado sentiram na pele o peso e a importância do povão do lado B, dos 99%.

Dona Maria não foi fabricar as calças jeans de marca para o patrão e não foi comprar calças jeans no atacadão. Não produziu riqueza para o dono da fábrica nem para o dono da loja nem para o Estado, na forma de impostos. E para piorar, se a quarentena continuar, vai precisar de auxílio, do Estado, é claro, porque do patrão não vem nada mesmo. Aliás o patrão da dona Maria reclamou com o Estado que está tendo prejuízo e precisa de auxílio financeiro senão vai demitir e pode até falir. O dono da lojinha fez a mesma coisa e o banco que tinha para receber dos três também reclamou com o Estado que precisa de ajuda, senão vai repassar seu prejuízo para alguém. Prejuízo não, queda nos lucros estratosféricos.

O Lado A, vendo que a sua dependência do lado B estava prestes a ficar evidente, vendo seus lucros diminuírem, ouvindo a reclamação dos acionistas e investidores com a queda das suas ações na bolsa, começam a pressionar o poder público (aqueles que precisam de pressão, porque alguns não precisam) para cancelar a quarentena e deixar tudo andar normalmente.

Dana Maria, o lado B, precisa voltar para a rua para continuar produzindo a riqueza do Lado A.

É aqui que as coisas deveriam se inverter, lado A (com letra minúscula) e Lado B (com letra maiúscula).

O lado A precisava mobilizar o Lado B para ajudar na campanha “salve a economia”. E a melhor maneira de fazer isso é usando os velhos e conhecidos artifícios, que vêm sendo usados pelas religiões protestantes há bastante tempo: o medo e a ganância (na ignorância). O medo de perder o emprego, de passar fome, de ficar inadimplente, do que os outros irão dizer e a possibilidade de voltar a comprar.

O Lado B aceita a narrativa e até se sente culpado por estar ameaçando a economia brasileira ficando em casa.

O Estado abre, autoriza a volta das atividades e quem vai para a carreata comemorar é o carrão importado de tanque cheio, carregando a perua emperiquitada.

O lado A respirou aliviado, é claro que festejou dentro dos carrões: o lucro deles  está salvo, o status quo está garantido e os 99% não perceberam que a riqueza e o poder do lado A estão nas mãos deles.

Mas e o vírus? E as mortes?

Bom, são perdas inevitáveis para um bem maior. Não é assim?

E o que teria acontecido se todo o Lado B continuasse em casa, sem produzir e sem comprar nada, tudo fechado, tudo parado, quarentena total, por um longo tempo?

Ah, o país viraria um caos, muita fome e muitas mortes.

Só no ano passado, 2019, nós pagamos 1 trilhão e 537 bilhões em impostos. O Lado B parado tem condições (e o dever moral) de pressionar o Estado para que parte desta riqueza seja usada para sustentá-los com dignidade.
Imagine o tamanho do valor do consumo do Lado B.

Imagine o quanto os 99% consomem dos produtos e serviços dos patrões do lado A.

Perdurando a situação de paralização, o próprio lado A pressiona o Estado para injetar dinheiro no lado B. Como já começou a fazer.

O governo disse 200,00, o congresso disse 600,00 podendo chegar a 1.200,00. E quem é o dono dos congressistas? O lado A.

Perdurando a paralisação a forma de ganho e as relações de trabalho poderão ser negociadas. Pois eles não terão outra saída e são gananciosos demais para abrirem mão de suas riquezas. Pois se todos continuarem parados e tudo continuar fechado o dinheiro deles derrete, perde todo o valor. Melhor dividir e salvar uma parte.

Por exemplo:

vaga que um trabalhador ocupa, divide a carga horária, sem diminuir o salário, e emprega mais um. Diminui drasticamente o desemprego e coloca mais gente consumindo mais e pagando mais impostos. (não, não terão prejuízo, terão, talvez, um lucro menor, o que é ótimo, distribuição de renda, diminuição da desigualdade social, já que quem produz mesmo e consome é quem trabalha, além disso o Estado pode dar a sua contribuição de diversas formas).

E é o momento ideal para dar esta lição.

Trata-se de uma pandemia, de uma emergência de saúde, ninguém estará desobedecendo nem fazendo greve.

Imagine por um momento, partindo daquele número ali, do valor arrecadado em impostos em 2019, todos os anos em que isso vem acontecendo.

Agora lembre-se de que este valor é somente de impostos pagos, lembre-se de toda a produção do país, das exportações, das mamatas, das mordomias de políticos e juízes.

Agora imagine o tamanho da riqueza que está acumulada nas mãos do lado A, pense no lucro dos bancos.

Agora lembre-se que tudo isso é produzido por você e roubado por eles.
Não teria mesmo como o Estado e o lado A distribuírem melhor toda esta riqueza que você produz?

Ninguém os quer na miséria, apenas se pede uma distribuição mais justa, todos podem estar empregados, todos trabalhando, todos ganhando melhor.
Você acha isto errado?

E como você vive?

Ainda agradecendo a Deus e pagando o dízimo? Manso feito uma ovelhinha branca? Feito cordeirinho?

É justamente isso que eles querem, é disso que eles precisam, ainda sugam suas últimas gotas de suor e de sangue explorando a sua fé.

Agradeça a Deus, mas lute. Seja grato, mas rebele-se contra as injustiças, você não estará fazendo só por si, estará fazendo pelos desempregados, pelos famintos, pelos mais desfavorecidos que você, pelos que estão por vir, pelos seus descendentes, pelo futuro.

Converse, convença, compartilhe este texto, explique que todo poder e toda a riqueza é produzida por nós e, portanto, nos pertence. E eles sabem disso, por isso querem tanto que você volte, que arrisque a sua vida e a da sua família para produzir a riqueza deles e para voltar a comprar e consumir.
Já não basta os dias, as horas, os anos e a vida que você dá a eles? O tempo longe dos filhos, os desaforos, as humilhações, a exploração, a desigualdade injusta?

Querem que você morra fazendo riqueza para eles e depois de você eles terão seus filhos e netos, que já estão sendo preparados para isso, pela escola e por você mesmo.

Quebre a roda.
Quebremos a roda. 
O vírus nos deu a fórmula. 



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