Em um futuro possível
Certa
vez, há muitos e muitos anos, lá no longínquo ano de 2020, aconteceu algo que
mudou a história e deu início ao mundo que temos hoje.
De
repente, o cão que corria atrás do próprio rabo para resolver seus problemas
parou. Foi assim que ele descobriu que era tudo bem mais fácil, bastava não
fazer nada.
Às
vezes é assim mesmo, é não fazendo nada que se faz muita coisa. É a inatividade
a melhor ação. Pode-se vencer uma guerra ficando em casa, não lutando.
As
filas acabaram; os engarrafamentos sumiram; a pressa cessou; o tempo sobrou; as
famílias se uniram.
A queima
de combustíveis fósseis e a emissão de gases poluentes diminuíram drasticamente.
O grande problema da poluição se resolvia e o planeta respirava melhor.
As
pessoas, se distanciando, se aproximaram. Socorreram os aflitos; curaram os
enfermos; abrigaram os sem-teto; assistiram os carentes; alimentaram os famintos;
amaram, de verdade, em ação, os seus velhos; cuidaram das suas crianças;
ajudaram as esposas, os vizinhos e até os animais.
Buscaram
mais os livros e menos os bares; contemplaram mais a arte e os olhares; foram
criativos, cantaram nas janelas, floriram os terraços, aplaudiram nas varandas.
Levantaram a moral, derrubaram a ansiedade, superaram a depressão, o medo, a insegurança.
Os
pais foram brincar com seus filhos; os casais se olharam e trocaram carinhos
sem pressa; os irmãos foram ser irmãos; pais e mães ouviram palavras de amor; vovôs
e vovós sentavam com toda a família ao redor da mesa e todos tiveram tempo para
se olharem nos olhos e falarem de sentimentos.
Um
mísero, minúsculo ser, um vírus pequenino e mortal ensinou o rei do Universo, o
dono da vida, a viver. A humanidade espiritualizou-se e aproximou-se mais dos seus
deuses sem precisar dos templos, das religiões, dos suntuosos salões, dos
rituais, dos espetáculos, de exibicionismo ou dinheiro.
E
quando a máquina parou, o homem descobriu que era, ele próprio, o combustível
mais precioso, que a tudo movia. A força motriz de toda a maquinaria criada
para enriquecer a poucos. Aprendeu então que, como força geradora e principal,
podia destruir aquela máquina maldita e criar outra, que enriqueceria a todos,
de vida e liberdade.
Quando
o simples trabalhador parou, a bolsa caiu, o rico patrão despencou, o
financista faliu, o multimilionário quebrou, o castelo de ouro ruiu. Não tinham
a quem buscar, a quem recorrer, não tinham mais riqueza e o que acumularam nada
mais valia. Porque o trabalhador parou de produzir para eles e de comprar deles.
Foi viver. Retiraram as coleiras, os drenos das veias que alimentavam os ricos
parasitas, sanguessugas. Poder e riqueza derreteram, quando o simples e pobre
operário parou em casa.
Naquele
ano, foi oferecida ao homem duas pílulas, uma que o manteria na ilusão e outra
que lhe abriria os olhos, que lhe daria consciência da matriz em que existia
desgraçadamente, ao invés de viver. Enfim, o prelúdio da liberdade e da justiça.
Naquele
ano, por causa daquele vírus, foi nos dada a chance de aprender que não é o
homem que precisa da riqueza, é a riqueza que precisa do homem. Não é você que
precisa do patrão, é ele que depende de você. Não é você que precisa do
dinheiro, é ele que precisa de você, sem você ele não é, não tem valor algum.
Não é você que precisa de religião, é ela que precisa de você. Você não tem que
correr atrás da máquina, é ela que tem que correr atrás de você, pois sem você
ela para, enferruja e quebra.
Um
vírus levantou barreiras, mas derrubou orgulhos, vaidades e até governos. Se
por um lado nos matava, por outro nos abria os olhos, levantava o véu e nos
oferecia outro modo de vida.
O vírus
baixou as atualizações de humanidade, depende de nós instalá-las ou não.
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