O nebuloso reinado da mentira e da hipocrisia
Sejamos sinceros.
Não há furo de reportagem
nenhum, nenhuma novidade, nenhuma surpresa, todos já sabiam, o Supremo, o
Congresso, a OAB, a acusação, a defesa, a imprensa, a esquerda e a direita, eu
e você.
Deixemos a hipocrisia e o
sensacionalismo de lado, abandonemos este climinha de espionagem barata e vamos
aos fatos.
No Brasil é assim desde que os
europeus chegaram aqui.
Chegaram e ficaram comprando,
enganando, corrompendo, cooptando, doutrinando, escravizando, matando,
exterminando, utilizando da mentira e da hipocrisia para aculturar e dominar.
Mas tudo feito sempre em nome nobres
ideais.
Em nome de Jesus, da Santa
Igreja, da bíblia sagrada, da família, do progresso, do mundo civilizado, do
bem do próximo e em nome do cidadão de bem.
No nosso país preso condenado
continua cometendo crime, usando celular, usando droga, aplicando golpe e
chefiando facção criminosa, tudo de dentro da cadeia.
Então qual é a novidade?
Condenado no Brasil sai da
cadeia para cumprir expediente no gabinete, para seções da câmara e continua
recebendo salário. Condenado no Brasil é eleito e sai da prisão para a
cerimônia de posse.
Qual é a novidade?
Aqui o Congresso Nacional não
representa quem o elegeu e é por si mesmo uma instituição criminosa protegida
por lei e financiada por bandidos engravatados das diferentes bancadas.
O Supremo Tribunal Federal não
julga livremente e não age com isenção, nunca agiu.
Os Tribunais regionais seguem
na mesma linha do Supremo, juízes são corruptíveis, sentenças são negociáveis e
a justiça brasileira nunca foi cega, enxerga notas, número de contas, saldos
bancários, sobrenomes, cargos, famílias, interesses, partidos e grifes.
Ninguém tem dúvida de que a
justiça brasileira não é igual para ricos e pobres, pretos e brancos.
A população sabe disso e os
magistrados também.
Onde está a novidade?
Aqui no Brasil a corrupção, a
mentira e a hipocrisia começa dentro de casa, no seio da família, e vai até o
governo federal, passando pela empresa, pela escola e pela religião.
Há exceções? Sim, certamente há.
E pode ser que você que está
lendo este texto faça parte da exceção.
Mas é justamente este o
problema.
É exceção e não regra.
Então, onde está a novidade?
No Brasil todo mundo sabe que
sempre foi assim, todo mundo sabe onde está o traficante, a boca de fumo, o
político que comprou voto, o cidadão que o vendeu, o empresário que financiou,
o pastor falcatrua, o padre pedófilo, o médico que vende atestado, o advogado
bandido, o marido que bate na mulher.
Mas o que importa é sair na
foto como cidadãos de bem, senhores e
senhoras respeitáveis da sociedade, família de comercial de margarina.
E fazer cara de espanto e
escândalo quando os podres aparecem.
Mas este teatro dura só até
alguém aceitar o preço, tocar no interesse certo, fazer a oferta irrecusável.
Aqui só é errado quando não é
meu ou dos meus, mas quando é dos outros, aí o peito se enche de razão e de
podre hipocrisia condenatória.
Amamos apontar o dedo, sem
perceber que neste gesto outros três apontam para si mesmo e um para cima.
O clima de sensacionalismo, de
surpresa, de furo de reportagem, de “BOMBA!” ajuda a manter o status quo.
Cria-se a roda de fofoca e de
comentários, a verborreia vaidosa e desenfreada, as análises pretensiosas,
emergem as sabedorias incomuns, as opiniões surpreendentes, as disputas de
ideias e tudo morre ali mesmo, no restrito espaço entre a poltrona e o aparelho
de tv, entre os olhos e o computador, entre os dedos e a tela de um celular.
E segue o baile, como sempre
foi e tem sido há 5 séculos.
Cadê a novidade?
Aqui no Brasil já tiramos
ditadores e corruptos?
E substituímos pelo quê?
Pela democracia? Que democracia?
Quem continua tomando as
decisões?
Mudam-se os atores, mas os
papéis são os mesmos, a peça é a mesma, o palco é o mesmo, o script, o enredo,
os financiadores, o cenário, o sistema é o mesmo.
É muito antiga esta estratégia
de divertir, de criar o clima de filme de espionagem, de novidade, de suspense
e de que o povo importa, interfere e participa.
É velha a estratégia de
oferecer o lado bom e do lado mau.
É conhecida a encenação do
deteve bom e do detetive mau, para fazer crer os incautos de que há opções, de que
há escolha, quando na verdade são apenas dois lados da mesma moeda.
Mas nela não há escolha,
somente fora dela.
Você chega no guichê, escolhe
seu acento entre dezenas de lugares disponíveis, escolhe o filme, o horário,
mas ainda continua dentro do cinema assistindo a um filme.
Se você quer algo diferente
deve sair daquela sala, daquele esquema, e olhar lá fora.
Quantos
escândalos já presenciamos?
Quantas
vezes já achamos que a justiça estava sendo feita?
Quantas vezes acreditamos
nas mudanças feitas por estas mesmas vias?
Quanto
salvadores já tivemos?
E em que resultou tudo isso,
afinal?
Lembram do quanto falamos de
Mariana, de Brumadinho, do Collor, do PC Farias, das privatizações, da greve
dos caminhoneiros, da constituinte de 1988, das eleições diretas...???
Quem mandava lá atrás continua
mandando; o que queriam fazer, fizeram; os mesmos bancos e grandes empresários
continuam mandando e enriquecendo; quem tinha poder continua tendo; as bancadas
que moldaram a constituição de 1988 permanecem controlando o congresso e toda a
política brasileira; quem perdeu jamais recuperou; o bandido se reelegeu e
retornou ao poder; os preços que tinham que subir subiram e os que tinham que
baixar baixaram; os acordos foram contornados; arquivos foram queimados; juízes
foram comprados; pessoas desapareceram e continuam sumindo e sofrendo
acidentes.
Um escândalo substitui o outro
e a diversão continua, o hipnotismo não cessa, a memória falha, a vontade
diminui, aquela indignação passa e surge uma nova.
Ora mordida, ora assopro e em
meio as contingências do cotidiano vão nos levando no bico.
As cercas, os caminhos, as
cocheiras, os estábulos são colocados e nós aceitamos e seguimos como manada,
obediente e crente.
De pão em pão, de circo em
circo, as diferenças de classes vão se aprofundando, as distâncias se agigantam
e a capital se distancia das províncias e dos subúrbios.
O sistema só entende um idioma:
a ação que o ameaça de fato.
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