A perspectiva da morte que valoriza a vida
É provável que tenhamos criado
um tabu sobre a morte e tenha sido justamente isto que desvalorizou a vida.
Lá nas cavernas, com tantos
perigos e predadores, com a morte nos rondando, nos espreitando e ameaçando o
tempo todo, lutávamos pela vida incansavelmente. Aliás, era só o que fazíamos.
As coisas mudaram. Com o
passar do tempo e com a evolução, os perigos e ameaças diminuíram e nossa
expectativa de vida aumentou consideravelmente.
A sensação de segurança
aumentou. Vieram os confortos e os prazeres e resolvemos que melhor seria esquecer
que somos mortais e que nosso fim é nossa única certeza.
Mas é aqui que pode estar o erro
Já aconteceu com você ou com
alguém que você conhece de achar que a vida não tem mais sentido e que não há
prazer algum nela?
Já ouviu falar de pessoas que
perdem a vontade de viver?
Conhece alguém que tem uma
vida completamente sem graça, mecânica, cinza, previsível, sem aventura nem paixão,
uma vida sem tesão?
Já ouviu falar de pessoas que
diante de uma doença terminal passaram a valorizar cada minuto e cada
acontecimento da sua vida?
Já ouviu dizer que existe
alguém que tem muita dificuldade de se manter vivo ou de se movimentar, mas
luta pela vida com bravura e a saboreia com alegria?
Já ouviu falar de alguém que vivia
reclamando da vida, que dizia que não queria mais viver e que sob ameaça de
morte implorou para viver mais?
Pois é, parece que a perspectiva da morte é que valoriza a vida.
Mas cismamos em viver como se
nunca fôssemos morrer, como se nossa estadia aqui fosse eterna, como se tivéssemos
todo o tempo do mundo.
Mas a verdade é que não temos
todo tempo do mundo.
Aliás, temos bem pouco tempo
do tempo do mundo.
Se fosse para esquecermos a
morte e viver como se nunca fôssemos morrer, então porque nasceríamos com esta
única certeza na vida, a de que vamos morrer?
A morte é uma certeza, a vida
não.
Então porque desperdiçar a
preciosa vida com tanta besteira?
Parece que fomos feitos para
funcionar como a lei de oferta e da procura, quanto mais produto disponível,
menor o valor, a raridade é o que valoriza.
Então resolvemos esquecer que
a vida é coisa rara, a morte é que é certa e sorrateira, pode chegar a qualquer
momento, sem avisar.
E assim, convencidos falsamente
de que ela nunca acabará, desvalorizamos a vida.
Não moramos mais em cavernas,
não temos mais os mesmos predadores nem a mesma vulnerabilidade, mas temos
outras tantas.
Não são poucos os relatos de
pessoas que tiveram uma vida dedicada ao trabalho, ao dinheiro, foram rabugentas,
plantaram discórdia, lutaram com mil fantasmas, cultivaram sofrimentos e
preocupações e diante de um diagnóstico fatal, que lhe deu pouco tempo de vida,
passaram a valorizar cada minuto, cada oportunidade e cada pessoa diante de si.
Libertaram-se de rótulos,
abriram a mente, despreocuparam, deixaram de se importar com a opinião dos
outros, com ninharias e mesquinharias.
Deixaram de brigar para
defender sua razão, para vencer discussões ou por outras pequenezas deste tipo.
Pararam de sentir pena de si
mesmas, de se sentirem ofendidas com tudo, de valorizar demasiadamente o que
não tem valor.
Focaram no que interessa, amar
e viver, porque a morte bate à porta.
Então por que não? Se a gente vai morrer mesmo.
Por que não rir de si mesmo, não
rir das próprias gafes e tolices?
Por que não fazer aquela viagem,
não realizar aquele sonho antes que seja tarde?
Por que não dizer eu te amo, me
perdoa, eu estava errado ou errada?
Por que não aceitar alguém e
se aceitar também?
Por que não perdoar e se perdoar?
Por que não dizer fica comigo,
eu te quero e te desejo, o amanhã pode não vir, amor?
Por que não fazer o que “dá na
telha”, se vamos morrer mesmo, a qualquer momento?
Por que não mudar tudo, mandar
às favas o que machuca e murcha nossa vida?
Não temos a vida toda pela frente
coisa nenhuma.
Quem disse isso quer apenas que
andes nos trilhos, justamente onde o trem te esmagará.
Quem garante que vida toda é
essa que se tem pela frente?
Só há probabilidade, porque pela
frente, de certo mesmo, temos a morte.
Então viva rápido, intensa e
levemente, como se fosse morrer amanhã.
Porque você vai mesmo, só não sabe qual
amanhã será, mas será.
E é assim que somos, assim nos
constituímos, seres com certeza da morte, que desperdiçam a vida.
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