Todos querem se prevenir contra o
envelhecimento, mas poucos se previnem contra o emburrecimento.
Pois
dizem que é possível emburrecer, ou seja, é possível perder QI, sofrer redução
da capacidade cognitiva.
Recentemente surgiram algumas
publicações argumentando que os seres humanos estão emburrecendo.
Algumas destas reportagens
explicam como este processo está ocorrendo, inclusive do ponto de vista da genética.
Outras trazem resultados de
pesquisas com dados e números que comprovam a redução de QI nos últimos anos em
determinados grupos estudados.
Assim como também sugiram
opiniões contrárias, rebatendo as pesquisas.
Como professor que lida com a
linguagem, que lida com cognição, fiquei pensando sobre o assunto e sobre a forma
como nossa mente trabalha em determinadas situações.
Nós, seres humanos, temos um
sistema operacional fantástico, com bilhões de neurônios, conexões e sinapses,
que ao longo da nossa evolução nos deu a capacidade de pensar de forma
inigualável, sem paralelo na natureza ou na tecnologia (pelo menos por
enquanto).
Além disso, temos outros tipos
de inteligências, como a inteligência emocional, que nos dá a capacidade de
sentir empatia, por exemplo.
O homem é capaz, portanto, de
pensar sobre a realidade de diferentes ângulos, é capaz de fazer abstrações,
capaz de pensar sobre si mesmo, sobre sua consciência e sobre o próprio
processo de pensar. E estas habilidades são exclusivas dos seres humanos.
Por exemplo: o ser humano é
capaz de compreender um fenômeno, um acontecimento, pelo seu ponto de vista,
por outras dezenas de pontos de vista, é capaz de fazer relações com outros conhecimentos
e experiências que tenha, é capaz de duvidar, criticar, fazer projeções e muito
mais.
Portanto, o pensamento de
forma linear, do tipo causa e consequência, pura e simples, sem considerar
variáveis, diferentes contextos, possibilidades, outras experiências pessoais,
dados históricos e estatísticos, não dá conta da maioria das situações da vida.
E a visão dualista do mundo não
é a única possível e nem de longe é a mais adequada de se manter.
Alto e baixo, certo e errado,
melhor e pior, bem e mal, grande e pequeno, céu e inferno, felicidade e
alegria, dentro e fora, amor e ódio, benção e maldição, fazem parte apenas de
um modelo mental, bem próprio dos ocidentais.
Nem todos os povos da terra veem
o mundo deste jeito, a partir deste
modelo mental, dividindo o mundo sempre em dois opostos.
Alguns povos asiáticos, por exemplo,
veem os fenômenos e ocorrências da vida
a partir da multiplicidade, da visão sistêmica e multidisciplinar, nunca
dividindo em dois opostos.
Entre o grande e o pequeno
existe o médio, e o pequeno pode ser grade e o grade pode ser pequeno conforme
o ponto de vista e o tamanho de quem olha.
O que parece um bem hoje
poderá se mostrar uma tragédia mais adiante e o que é considerado um mal pode
se mostrar uma benção mais tarde.
A visão dualista é bastante
reducionista e de alcance bem limitado.
Deixe-me
dar um exemplo.
Faz um tempinho assisti a um vídeo
na internet em que um rapaz dizia estar apresentando a prova cabal de que a
terra é plana, colocando uma régua de 30 cm paralela ao horizonte de um mar
calmo, estando ele em cima de um prédio.
Esta
conclusão é tirada da seguinte matriz.
o horizonte sobre o mar calmo
ficou paralelo à régua de 30 centímetros que está na minha mão, logo a terra
toda é plana e não redonda, logo a ideia de que a terra é redonda é ........
O todo é julgado a partir de
uma pequena parte, sem mais considerações e ponto final.
E o raciocínio vai se dando de
forma linear.
Assim:
“se estou certo disso >
logo > a consequência é ...... > logo > a conclusão óbvia é ..... >
logo > .......
Mas
existe outra forma de pensar fora desta matriz.
Antes de concluir e se
posicionar, a pessoa pensa, considera o tamanho da régua em relação ao tamanho
do planeta Terra; a sua posição em relação a linha do horizonte; o relevo do
local em que está fazendo a experiência; as abundantes imagens feitas a partir
dos milhares de satélites que circulam a terra, inclusive da estação espacial;
a comparação da Terra com a lua, com o sol e com quase todos os planetas que
vemos daqui; a visão que se tem em uma viagem de avião a 10, 11 mil pés de altitude,
as incontáveis viagens por terra e mar circulando o nosso planeta e muito mais.
Nesta forma de raciocínio apareceram
dados de muitas direções, de diferentes disciplinas, que levaram o pensamento
para deferentes possibilidades.
A primeira mente, que chegou à
conclusão e convicção de forma imediata e rígida, funcionou de um jeito.
A segunda, que antes de
concluir ponderou, fez considerações, lembrou de dados, fatos e experiências,
funcionou de outro.
Certo?
Você consegue entender esta diferença?
Então vamos adiante.
Há uma condição ainda pior do
que aquela da primeira pessoa do exemplo que acabei de descrever.
É a condição mental da pessoa
que assiste alguém fazer a experiência e chegar à conclusão de que, portanto, a
terra é plana e assume para si imediatamente tal convicção sem sequer pensar,
refletir, ponderar. Toma a experiência como prova irrefutável e ponto final.
Esta condição mental é ainda
mais delicada.
A mesma matriz de raciocínio,
da experiência com a régua e a conclusão de que a Terra é plana, é aplicada a
muitos outros contextos, infelizmente, por ser uma matriz.
É a mesma matriz e o mesmo
funcionamento cognitivo quando se julga o todo a partir de uma das partes em
uma sequência linear.
Uma mulher cometeu um erro,
logo nenhuma presta, logo.....
Um professor cometeu um erro,
logo nenhum presta, logo...
A teoria tal é falha em
determinado ponto, logo ela deve ser descartada por completo e....
A ideologia X é falha em um
aspecto, logo ela não presta em seu todo, logo quem a segue também deve ser
completamente descartado...
Há casos de ataques em escolas
americanas por atiradores, logo o sistema educacional americano não presta, os
professores americanos não prestam e a escola americana não serve para nenhuma
criança.
Eu acredito nele, logo o que
ele disse é verdade, se esta é a verdade, logo todo o resto é inverdade.
Este tipo de raciocínio funciona
dentro de uma matriz, com padrões rígidos, que não aceita contradições e é
baseada em convicção, em certezas absolutas e verdades irrefutáveis.
Porque, desde que se esteja
funcionando dentro de uma matriz, torna-se difícil pensar fora dela, abrir
espaço para o novo e o contraditório. Por isso a presença de intransigência.
Um posicionamento bem típico
da esquizofrenia, inclusive.
Este funcionamento é muito
semelhante, senão igual, ao funcionamento do adestramento de animais.
Se eu obedecer ao comando,
logo eu ganho petisco.
Se eu for no pote azul tem
comida, se eu for no vermelho tem eletrochoque, logo só vou no pote azul.
Se eu pressionar o botão cai
ração, se eu não apertar o botão fico com fome, logo vou pressionar o botão
sempre que sentir necessidade de comer.
Se eu errar vou para o inferno
e se acertar vou para o céu, logo quero acertar sempre, logo quem erra está
condenado e....
Na primeira infância o cérebro
funciona mais ou menos assim em um determinado momento.
Se eu chorar, ganho leite, se
eu não chorar não ganho leite, logo sempre que eu quiser leite vou berrar e
sempre que eu berrar ganho atenção, logo se eu berrar e ninguém vier.....
O cérebro do homem das
cavernas funcionava mais ou menos assim.
Um deles saiu da caverna à
noite e foi devorado por um tigre. Logo, sair da caverna à noite significa ser
devorado por um tigre, ponto.
Esta é uma matriz de
pensamento primitiva, que está no mundo animal, nos homens das cavernas, nos
bebês e não há nenhum mal nela.
É natural, porém faz parte de
um estágio, um estágio apenas, uma possibilidade apenas, somente um recurso,
dos mais simples e limitados.
O homem das cavernas precisava
evoluir para não morrer de fome e para não se tornar o jantar de alguém. E
evoluiu.
Mas nós não precisamos mais
disso, hoje nós só precisamos apertar botões, o que pode ser perigoso para
nossa evolução e pode ser um dos motivos de emburrecimento.
Por outro lado, indivíduos das
gerações mais recentes têm promovido uma revolução nas relações de trabalho e
em todas as áreas da nossa vida não somente através dos avanços tecnológicos,
mas através de um olhar diferente sobre o mundo, sobre a vida e sobre as
relações humanas.
A prevenção contra o
emburrecimento é a leitura, o pensamento, a reflexão e o contato direto com
culturas diferentes, de mente aberta, considerando que nossa mente sempre
poderá estar enganada e que nem tudo é tão simples como apertar um botão nem
tão imediato como dividir por dois.
O homem tem medo do que não
entende, por isso assume um entendimento tão rapidamente quanto possível para
se sentir seguro. E se agarra a ele mesmo sendo o maior dos absurdos, quando
não lhe sobra alternativa, por não dispõe de outras ferramentas cognitivas.
Mas é possível viver muito bem
ser concluir, sem ter certezas, sem entender, sem classificar, sem organizar e
cadastrar, sem rotular e nomear, sem explicar, sem ter respostas, sem estar
convicto.
Em um constante buscar e
aprender e reformular.
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