O problema é achar que já sabe
Veja porquê.
A ignorância é nosso estado
natural, não nascemos sabendo, nascemos ignorando.
Você já teve a oportunidade de
acompanhar o desenvolvimento de uma criança?
Eu já, de muitas crianças, dos
filhos, da neta, de alunos e no momento tenho acompanhado o desenvolvimento de
um sobrinho, que está com um ano e nove meses.
Você já prestou atenção em
como as crianças absorvem com tanta avidez tudo o que está ao redor delas?
As crianças parecem umas esponjinhas,
elas sugam tudo, aprendem e absorvem com grande facilidade, basta ouvir ou ver
uma só vez.
E por que isto acontece, desta
forma?
Porque a criança ignora tudo,
ela acabou de sair do útero materno e está em um mundo diferente, que ela nunca
viu, tudo é novidade, ela está seca como a esponja e quer, precisa absorver,
conhecer, se informar sobre o mundo e ainda não tem pré-conceitos.
Acontece com a cognição, com o
aprendizado, como acontece com a linguagem. Uma criança, assim que nasce, tem
dentro de si uma possibilidade aberta de adquirir até cinco idiomas como sua
língua materna.
Por exemplo, se nasce uma
criança no Canadá, que tenha mãe brasileira, pai alemão, babá espanhola e na
escola a língua usada é o francês, se ela estivar exposta a todos os idiomas
desde seu nascimento, diariamente, adquire todos naturalmente.
Porém, se uma criança estiver
exposta a um só idioma, ela adquire aquele único idioma e as possibilidades de
aquisição se fecham apenas para a gramática daquela língua.
Mais tarde, se quiser um
segundo idioma, o processo é de aprendizagem e não de aquisição como na
primeira infância. O esforço terá que ser maior, para aprender, e não aquele de
aquisição natural.
É mais ou menos como se a
mente dissesse para si mesma que já sabe um idioma, que já tem um e por isso
pode se acomodar naquele.
Quando nos convencemos que já
sabemos, quando nossa mente registra esta condição, então não há mais motivo
para aprender aquilo, ela parte para outra.
Nossa mente é seletiva, ela
escolhe o que aprender, em que prestar atenção, em que se interessar.
Se você estiver em um
aeroporto, ouve o tempo todo aquela voz nos alto-falantes, mas você não presta
muita atenção, porque em sua mente está registrado que você já sabe o que está
sendo dito, voos, embarques e desembarques, orientações, nada a ver com você
especificamente.
Porém, se o seu nome é
pronunciado, o número do seu voo, seu destino ou a companhia aérea em que você
vai viajar, a sua atenção se concentra imediatamente na voz que sai do sistema
de som e em tudo o que está sendo dito.
A curiosidade da criança vai
diminuindo a partir do momento em que ela vai registrando que já sabe.
Aquele potencial de
aprendizagem, de absorção, vai diminuindo, vai se tornando mais seletivo, e a
mente entende que não precisa mais prestar atenção e buscar conhecer aquilo que
ela acredita que já sabe.
Portanto, precisamos fazer uma inversão.
Não paramos de aprender por
causa da ignorância, aprendemos por causa dela.
Paramos de aprender quando
achamos que já sabemos, quando registramos que já conhecemos.
Não há nada demais em aprender
algo, deixar aquele conhecimento acomodado e partir para um aprendizado
diferente.
Mas é bom saber que este
processo também acontecerá com assuntos importantes para você e para aqueles
que você ama, seja relacionado com saúde, com economia, religião, política,
educação ou com qualquer outro.
Se uma pessoa lê ou ouve uma
informação, uma notícia, e se convence, registra, que com aquela informação já
sabe aquele assunto, a tendência é parar por ali mesmo.
A curiosidade sobre aquele
assunto vai diminuir, a mente estará menos aberta para ele, podendo chegar ao
ponto de ignorar tudo o mais que seja dito sobre ele, como no exemplo do
aeroporto.
Por outro lado, se o registro
de “já sei isso” não acontecer, se a pessoa mantiver a curiosidade sobre o
assunto, se ela entender que ainda há muito a aprender, que ainda não conhece
tudo e talvez nunca conheça tudo sobre certo assunto, então permanecerá
aprendendo cada vez mais e mais.
Nunca
aprendemos tudo, nunca sabemos tudo sobre nada nesta vida. Sempre ignoramos
algo, sempre poderemos estar enganados e pode ser que tenhamos entendido
errado.
É desta forma que a ignorância
é uma benção e não um problema.
Ela só será um problema se não
a identificamos.
E não identificamos a nossa
própria ignorância quando achamos que já sabemos e que nossa interpretação é a
melhor ou até a única possível e válida.
Aí, neste caso, deixa de ser
ignorância e passa a ser algo bem pior.
Não saber é natural, não
querer saber é uma prerrogativa que nos assiste, mas achar que já se sabe é uma
ilusão.
Só há vantagens em se manter
ciente de que ainda ignoramos algo, mesmo sobre aquele assunto em que nos
tornamos especialistas.
Esta é uma estratégia que nos
mantém curiosos e abertos ao aprendizado.
Há 20 anos ensino Língua
Portuguesa, Redação e Literatura. Há 20 anos estudo sobre educação, ensino e a
escrita, mas sei que ainda ignoro muitas coisas sobre estes assuntos, sei bem
pouquinho, tenho muito que aprender sempre.
Há conhecimentos nestas áreas
que ainda nem cheguei a tocar e sei que muitas das minhas certezas podem estar
equivocadas.
Com relação a outras áreas de
conhecimento, então, nem se fala, aí mesmo é que sou muito ignorante.
Esta postura pode trazer pelo menos duas
vantagens.
A primeira é estar aberto ao
novo, a aprender, seja com as crianças, com os colegas de profissão, com quem
não é da área, com alunos, com especialistas, com acadêmicos.
A segunda vantagem é que não se
corre o risco de ser arrogante ao ponto de querer impor a própria razão, a
própria verdade sobre a dos outros, pois se sabe que sempre existe a chance de estar
errado, de estar ignorando algo.
Posso emitir uma opinião, a
minha interpretação, como estou fazendo neste texto, mas não como algo imutável
e acima das demais opiniões.
Este texto não é uma verdade
absoluta, é uma interpretação que fiz, a partir de reflexão, de acordo com
minha experiência profissional, só isso.
Minha opinião não é emitida para
convencer ninguém, pois posso estar errado, posso estar ignorando algo que você
conheça melhor do que eu.
Mas tenho o direito, e gosto,
de me expressar através da escrita.
E se o que eu escrevo provocar
alguma reflexão sobre o assunto, se ajudar alguém positivamente, então estou
satisfeito.
Porque meu objetivo não é
convencer ou conscientizar, não gosto destas palavras.
Meu objetivo é apenas provocar
reflexão e in-comodar, tirar do comodismo, a minha mente e a de quem mais quiser
pensar.
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