terça-feira, 28 de maio de 2019

A IGNORÂNCIA NÃO É UM PROBLEMA


O problema é achar que já sabe


 Veja porquê.



A ignorância é nosso estado natural, não nascemos sabendo, nascemos ignorando.

Você já teve a oportunidade de acompanhar o desenvolvimento de uma criança?

Eu já, de muitas crianças, dos filhos, da neta, de alunos e no momento tenho acompanhado o desenvolvimento de um sobrinho, que está com um ano e nove meses.

Você já prestou atenção em como as crianças absorvem com tanta avidez tudo o que está ao redor delas?

As crianças parecem umas esponjinhas, elas sugam tudo, aprendem e absorvem com grande facilidade, basta ouvir ou ver uma só vez.

E por que isto acontece, desta forma?

Porque a criança ignora tudo, ela acabou de sair do útero materno e está em um mundo diferente, que ela nunca viu, tudo é novidade, ela está seca como a esponja e quer, precisa absorver, conhecer, se informar sobre o mundo e ainda não tem pré-conceitos.

Acontece com a cognição, com o aprendizado, como acontece com a linguagem. Uma criança, assim que nasce, tem dentro de si uma possibilidade aberta de adquirir até cinco idiomas como sua língua materna.

Por exemplo, se nasce uma criança no Canadá, que tenha mãe brasileira, pai alemão, babá espanhola e na escola a língua usada é o francês, se ela estivar exposta a todos os idiomas desde seu nascimento, diariamente, adquire todos naturalmente.

Porém, se uma criança estiver exposta a um só idioma, ela adquire aquele único idioma e as possibilidades de aquisição se fecham apenas para a gramática daquela língua.

Mais tarde, se quiser um segundo idioma, o processo é de aprendizagem e não de aquisição como na primeira infância. O esforço terá que ser maior, para aprender, e não aquele de aquisição natural.

É mais ou menos como se a mente dissesse para si mesma que já sabe um idioma, que já tem um e por isso pode se acomodar naquele.

Quando nos convencemos que já sabemos, quando nossa mente registra esta condição, então não há mais motivo para aprender aquilo, ela parte para outra.

Nossa mente é seletiva, ela escolhe o que aprender, em que prestar atenção, em que se interessar.

Se você estiver em um aeroporto, ouve o tempo todo aquela voz nos alto-falantes, mas você não presta muita atenção, porque em sua mente está registrado que você já sabe o que está sendo dito, voos, embarques e desembarques, orientações, nada a ver com você especificamente.

Porém, se o seu nome é pronunciado, o número do seu voo, seu destino ou a companhia aérea em que você vai viajar, a sua atenção se concentra imediatamente na voz que sai do sistema de som e em tudo o que está sendo dito.

A curiosidade da criança vai diminuindo a partir do momento em que ela vai registrando que já sabe.

Aquele potencial de aprendizagem, de absorção, vai diminuindo, vai se tornando mais seletivo, e a mente entende que não precisa mais prestar atenção e buscar conhecer aquilo que ela acredita que já sabe.

Portanto, precisamos fazer uma inversão.


Não paramos de aprender por causa da ignorância, aprendemos por causa dela.

Paramos de aprender quando achamos que já sabemos, quando registramos que já conhecemos.

Não há nada demais em aprender algo, deixar aquele conhecimento acomodado e partir para um aprendizado diferente.

Mas é bom saber que este processo também acontecerá com assuntos importantes para você e para aqueles que você ama, seja relacionado com saúde, com economia, religião, política, educação ou com qualquer outro.

Se uma pessoa lê ou ouve uma informação, uma notícia, e se convence, registra, que com aquela informação já sabe aquele assunto, a tendência é parar por ali mesmo.

A curiosidade sobre aquele assunto vai diminuir, a mente estará menos aberta para ele, podendo chegar ao ponto de ignorar tudo o mais que seja dito sobre ele, como no exemplo do aeroporto.

Por outro lado, se o registro de “já sei isso” não acontecer, se a pessoa mantiver a curiosidade sobre o assunto, se ela entender que ainda há muito a aprender, que ainda não conhece tudo e talvez nunca conheça tudo sobre certo assunto, então permanecerá aprendendo cada vez mais e mais.

Nunca aprendemos tudo, nunca sabemos tudo sobre nada nesta vida. Sempre ignoramos algo, sempre poderemos estar enganados e pode ser que tenhamos entendido errado.

É desta forma que a ignorância é uma benção e não um problema.

Ela só será um problema se não a identificamos.

E não identificamos a nossa própria ignorância quando achamos que já sabemos e que nossa interpretação é a melhor ou até a única possível e válida.

Aí, neste caso, deixa de ser ignorância e passa a ser algo bem pior.

Não saber é natural, não querer saber é uma prerrogativa que nos assiste, mas achar que já se sabe é uma ilusão.

Só há vantagens em se manter ciente de que ainda ignoramos algo, mesmo sobre aquele assunto em que nos tornamos especialistas.

Esta é uma estratégia que nos mantém curiosos e abertos ao aprendizado.
Há 20 anos ensino Língua Portuguesa, Redação e Literatura. Há 20 anos estudo sobre educação, ensino e a escrita, mas sei que ainda ignoro muitas coisas sobre estes assuntos, sei bem pouquinho, tenho muito que aprender sempre.

Há conhecimentos nestas áreas que ainda nem cheguei a tocar e sei que muitas das minhas certezas podem estar equivocadas.

Com relação a outras áreas de conhecimento, então, nem se fala, aí mesmo é que sou muito ignorante.

Esta postura pode trazer pelo menos duas vantagens.

A primeira é estar aberto ao novo, a aprender, seja com as crianças, com os colegas de profissão, com quem não é da área, com alunos, com especialistas, com acadêmicos.

A segunda vantagem é que não se corre o risco de ser arrogante ao ponto de querer impor a própria razão, a própria verdade sobre a dos outros, pois se sabe que sempre existe a chance de estar errado, de estar ignorando algo.

Posso emitir uma opinião, a minha interpretação, como estou fazendo neste texto, mas não como algo imutável e acima das demais opiniões.

Este texto não é uma verdade absoluta, é uma interpretação que fiz, a partir de reflexão, de acordo com minha experiência profissional, só isso.

Minha opinião não é emitida para convencer ninguém, pois posso estar errado, posso estar ignorando algo que você conheça melhor do que eu.

Mas tenho o direito, e gosto, de me expressar através da escrita.

E se o que eu escrevo provocar alguma reflexão sobre o assunto, se ajudar alguém positivamente, então estou satisfeito.

Porque meu objetivo não é convencer ou conscientizar, não gosto destas palavras.

Meu objetivo é apenas provocar reflexão e in-comodar, tirar do comodismo, a minha mente e a de quem mais quiser pensar.


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