Escolhendo
a ferramenta
Na minha profissão é bem comum
ver pessoas se esforçando muito por “um lugar ao sol”, para “ser alguém na vida”,
como se costuma dizer. O que geralmente significa ter uma profissão, uma carreira
profissional, um status social, reconhecimento, ser avaliado positivamente, ser
aprovado.
Neste processo é igualmente
comum, e já vi acontecer muitas vezes, a pessoa conseguir o que quer depois de
muito esforço, alcançar seus objetivos, tornar-se um profissional, ser
reconhecido e avaliado positivamente, ser aprovado e detestar o que alcançou,
sentir-se um escravo, manter-se preso por anos naquela situação insuportável e terminar
a vida doente.
Claro que não é culpa de ninguém
nem é questão de culpa, a pessoa alcançou exatamente o que buscou livremente,
tomou as suas próprias decisões e elas tiveram resultados, manteve-se onde
estava por decisão própria.
A questão é outra, é sobre o saldo da conta.
Cada um de nós, ao nascer,
recebe uma conta com um saldo que não se sabe de quanto é. Podemos gastar
livremente, da maneira que desejamos, mas não sabemos quanto temos ou quando irá
acabar nossa riqueza.
Refiro-me a um capital mais
valioso do que dinheiro: ao capital vital, à vida, ao tempo de vida que se tem.
Quem sabe quanto tempo tem? Qual
é o saldo desta conta?
Nosso saldo pode zerar aos 14,
aos 27, aos 50, aos 60 ou aos 90 anos, não sabemos. E quando nosso tempo tiver
que acabar, o saldo da conta bancária, por maior que seja, não será capaz de mudar
isso.
Já perdi, e provavelmente você
também, pessoas próximas de todas as idades. Perdi um filho com dois dias de
vida e meu pai com 60 anos. Perdi amigos com 23, parentes com 27, amigas com 55,
com 19 anos e nem o dinheiro nem a profissão nem a carreira nem status nem anonimato,
nenhuma situação social poderia estender os seus dias. O saldo da conta do
tempo deles acabou.
A importância deles para os que
ainda vivem é quase nenhuma, não importa o quanto foram aprovados em vida, quanta
riqueza acumularam, se foram “alguém na vida” ou não. Estão igualados,
nivelados pelo nível mais baixo, como faz a lei da entropia. Não são nada mais
do que longínqua memória, fumaça eu se esvai com sopro de leve brisa.
Então, que diferença faz?
A única diferença entre eles é
como usaram o capital que receberam ao nascer. O que fizeram com o saldo da
conta do tempo, do tempo de vida.
Se lhe fosse dada uma conta
bancária com um valor em dinheiro para você gastar livremente, mas sem saber
qual é o saldo, como você gastaria?
Você não sabe quanto tem nem
quando irá acabar. Mas enquanto tem, não há limites, a não ser aqueles que você
mesmo coloca.
Iria usar mal este dinheiro?
Iria querer desperdiçá-lo? Iria usá-lo para o seu sofrimento, para se machucar?
Então por que alguns usam o tempo
que têm vivendo situações desagradáveis, que lhe fazem sofrer, como se nunca
fosse acabar? Por que achar que sempre haverá
um amanhã para ser feliz se na verdade não se sabe o saldo desta conta?
Não se tem certeza de quando tempo se tem, mas se tem certeza absoluta que este tempo acabará.
E pode acabar ainda hoje,
amanhã, daqui a uns meses ou muitos anos, mas esta hora vai chegar
inevitavelmente, não importa que tipo de vida se tenha levado, se boa ou ruim,
com ou sem dinheiro, sendo “alguém na vida” ou sendo “ninguém”. O tempo vai
acabar do mesmo jeito para todos.
No final, a opinião das
pessoas não terá nenhum valor e geralmente todos são elogiados ao morrer e esquecidos
em seguida.
Suportar uma situação de vida
insatisfatória, insalubre, apostando que no futuro haverá tempo de se libertar
e ser feliz é o mesmo que gastar o dinheiro de uma conta de saldo desconhecido
para se machucar, para se ferir, apostando que depois haverá dinheiro para o
curativo, para o médico, para o alívio.
Com dinheiro, em sã consciência,
ninguém faria isso, mas muitos fazem com seu tempo de vida.
Quando eu me aposentar, então
irei descansar e aproveitar a vida.
Quando meus filhos crescerem, então
deixarei este casamento que me faz sofrer.
Quando eu terminar de pagar o
apartamento, deixo este emprego nojento.
Meu sonho é viajar, mas só posso
ir depois que eu me aposentar, agora não tenho tempo.
“Agora não tenho tempo”, “agora
não posso”, “agora não dá” são expressões que acabam com a vida de qualquer um
e não fazem o menor sentido.
Pois só agora se tem tempo, só
há o tempo de agora, o depois é que não se tem.
“Não posso” deve ser substituído
por “não quero”, porque tudo pode ser mudado, o que pode acontecer é a pessoa
não admitir, não querer tomar certas decisões, entendendo determinada escolha não
é admissível para si.
Nestes casos, a escolha que se
está fazendo é a de permanecer gastando a riqueza que recebeu para se ferir,
para o próprio sofrimento. E ferido, machucado, infeliz, desperdiçando o tempo,
não se pode ser útil e positivo na vida de ninguém.
Sempre há opções, sempre há
escolhas, basta tomada de decisão.
O tempo de agora é o único que
se tem e deve ser vivido plenamente, buscando realizar sonhos, viver com satisfação,
de forma a poder dizer que faria tudo outra vez, que repetiria com prazer, que
faria as mesmas escolhas, porque não deseja outro caminho, outra vida, outro
uso do seu tempo.
Pode ter certeza de que, ao
chegar aos 50 ou 60, e chega rápido, muito rápido, todos olham para traz e
avaliam a vida que tiveram. Não há nada mais desesperador do que constatar que
foi uma merda, do que saber que não era aquilo que queria ter vivido, porque o
tempo gasto não volta mais para a conta, não dá para fazer de novo.
O único tempo que se tem para
fazer diferente é o de cada amanhecer em que se abre os olhos, uma nova chance,
mais uma oportunidade, até chegar aquele em que tudo acaba.
Nenhum comentário:
Postar um comentário