A experiência da leitura
Antes de começar a escrever sobre
livros e a dar dicas de leitura aqui no blog, quero refletir um pouco sobre a
ação de ler, sobre o hábito de ler, sobre a posição do leitor.
Além de ser formado em letras
e de ser professor de literatura, sou um leitor ávido desde a minha adolescência.
Por isso eu sei que o cheirinho do livro tem significado, provoca uma sensação
no leitor, proporciona prazer. A experiência da leitura ultrapassa muito o ato
de ler.
O hábito de ler sempre foi
nobre, porque ler era um privilégio de poucos, que pertenciam à nobreza. Poucos
afortunados aprendiam a ler e tinham acesso a livros. E livro não era algo
popular, não era facilmente reproduzido.
Desde o escriptorum, local do
reino onde se reproduziam os códices, os livros em rolos de pergaminhos, até o
tablet e o celular conectados à internet, passando pela impressão com tipos móveis, criada por Gutemberg, no século XV, a experiência de leitura vem se
modificando constantemente.
Até a posição, a postura do
leitor vem mudando. Antes usava as duas mãos, os dois braços, em posição de desenrolar
o livro. Depois folheava o livro e hoje movimenta as páginas digitais e abre
links com a ponta de um dedo e, talvez, com comando de voz.
Mas a grande vantagem em toda
esta evolução é a popularização, democratização e universalização da arte da
escrita. Com um tablet ou smartphone é possível acessar livros traduzidos de todo
o mundo e de todas as épocas. E é possível levar no bolso, para onde
for, uma biblioteca com milhões de livros à disposição.
A internet é chamada também, em
áreas de conhecimento como a Teoria da Literatura, Teoria da Comunicação ou Análise
do Discursos, de hipertexto. Ou seja, um texto gigantesco composto de tudo o
que nele é escrito, mudando o tempo todo, prestando ou não. Há, portanto, muito
lixo, mas também há muitos tesouros.
Se na internet encontra-se
lixo como fake news e panfletagem barata, também se pode ler gratuitamente a
Eneida, de Virgílio; O Processo, de Kafka; O Inferno, de Dante; Dom Quixote, de
Cervantes; Os irmãos Karamázov, de Fiódor Dostoiévski e praticamente todas as
grandes obras, as maiores já produzidas na história da humanidade, das antigas
às mais recentes.
Estar entre prateleiras de livros
tem seu valor, sem dúvida, mas é preciso reconhecer que nunca antes na história
da humanidade tivemos acesso a um número tão grande de obras, de forma fácil e
gratuita.
É incalculável a quantidade de
sites, aplicativos, empresas, instituições, portais que oferecem ferramentas e
obras para leitura gratuitamente.
Por exemplo, a Amazon,
além de comercializar grandes obras digitais e impressas, oferece mais de 1
milhão de e-books para você ler de graça e a ferramenta de leitura Kindle,
aplicativo que conta com versões pagas e gratuitas, com diversos recursos para
tornar a experiência de leitura mais agradável e confortável em diferentes aparelhos,
seja em um celular, tablet ou computador.
Isto significa que as opções
de leitura se multiplicaram ao infinito. Mas não só, a postura física do leitor
pode variar dependendo do aparelho que esteja usando para ler e sua postura
como sujeito leitor também.
A autonomia do leitor
aumentou, pode acessar a sua biblioteca gigantesca de onde estiver, bastando
apenas sinal de internet e um aparelho para se conectar.
Não é mais necessário um
espaço enorme para armazenar centenas de obras, a não ser que se queira.
Economicamente as coisas também
mudaram. Os livros impressos no Brasil são, e sempre foram, caros e quem gosta
de ler não lê apenas um livro por mês.
Os aplicativos e aparelhos possibilitam
fazer mudanças na fonte, na página, acessar links, tornar a tela mais confortável
à visão etc.
Não, caro leitor, os avanços
tecnológicos não significam a morte do livro impresso nem que você tem que
aderir a eles ou se desfazer dos seus amados livros. Muito pelo contrário, através
da internet podemos comprar livros impressos de todo o mundo, estando em qualquer
lugar, sem precisar que neste lugar tenha uma livraria e ainda pagando mais
barato.
Foi um longo caminho desde os pergaminhos
até aqui, não foi?
Quem diria que há alguns séculos
somente alguns nobres tinham o direito de ler. E veja, hoje, a facilidade de
acesso, a democratização da leitura e da literatura.
Mas há aquelas pessoas que
dizem que não gostam de ler. O que eu duvido. Não creio que esta seja uma postura
definitiva, acho que apenas estas pessoas não receberam a orientação correta
nem a indicação de um livro que faça eco no se ser. Ainda assim, todos têm a liberdade
de ler ou de não ler.
E há os que leem, que exercem
este direito, que usufruem das facilidades do hipertexto, mas escolhem mal,
escolhem se alimentar de lixo, de falsos filósofos, de teorias estapafúrdias, de
mentiras, de falácias, lendo engano. O que não deixa de ser uma liberdade, quem
irá lhes negar tal direito? Ninguém.
A grande e democrática oferta
colocou o leitor em uma posição diferente. Passa a exigir que o leitor tenha
autonomia, ele passa a ter liberdade de escolha. Mas o leitor, agora, precisa
de critérios para exercer a liberdade de escolha, sob pena de naufragar no enorme
oceano de opções.
E é aí que, tentando se achar,
muitos se perdem.
Não sou marinheiro, mas nesse
mar, da leitura e da literatura, arrisco-me a dar pitaco, pois como dizia o poeta:
“Navegar é preciso”.
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