Ilusões e fantasias de gente grande
O pequeno príncipe, publicado originalmente
em abril de 1943, é uma das obras do aviador e escritor francês Antoine de
Saint-Exupéry, um conde, filho de conde, segundo sua biografia, que nasceu em
Lion em 1900 e morreu em 1944, quando teve seu avião abatido pelas forças
alemãs durante uma das suas missões pela Europa em guerra. Não presenciou,
portanto, o grande sucesso da sua obra.
Abre parênteses.
Uma curiosidade: temos no Brasil
uma via chamada de Avenida Pequeno Príncipe, que é a principal via de acesso à praia
do Campeche, em Florianópolis, Santa Catarina. O nome é uma homenagem da cidade
a Antoine de Saint-Exupéry, que usou algumas vezes um campo de pouso da praia
do Campeche para suas aterrissagens na Ilha de Santa Catarina no início do
século XX.
Fecha parênteses.
Vamos às ilusões e fantasias
de gente grande expostas pela sabedoria das crianças.
Talvez você já tenha lido o
livro ou de alguma outra forma tenha conhecido a história e esteja pensando que
é meio óbvio falar de ilusões e fantasias em O Pequeno Príncipe, pois é a
história de um principezinho que morava em um planeta pouco maior que ele e
veio para a Terra.
Ilusões e fantasias que
envolvem viagem espacial, carneiros dentro de caixas e elefantes dentro de
jiboias. Tem um aviador perdido no deserto, longe da civilização, com seu avião
estragado, que provavelmente estava delirando por causa das condições adversas
extremas, argumentaria a pessoa grande.
Não, não, não! Nada disso, não
é esta a ilusão e a fantasia que me chama a atenção neste livro.
Para mim ele expõe outro tipo
de ilusão e de fantasia, reais, que não são benéficas e saudáveis como estas
que figuram em primeiro plano no enredo desta narrativa de ficção.
Os diálogos entre o aviador e
o Pequeno Príncipe, as histórias, as conversas com animais e plantas, as
personagens incomuns cheias de simbologias, o ambiente próprio das fábulas, tudo
isso é produto da arte e da imaginação. A linguagem é a matéria prima que a
imaginação usou para criar esta linda fábula.
Mas a arte pisa em um calo.
A arte pisa no nosso calo,
talvez por isso o autor faça o alerta de que o livro não foi escrito para
crianças, mas para adultos, ou para as crianças que porventura ainda possam
sobreviver nos adultos. Toca na ferida da pessoa grande, importante, séria,
ocupada que nos tornamos e provoca reflexões sobre nossa maneira de ver o mundo.
Com as limitações próprias de quem perdeu capacidades da infância, por exemplo,
a capacidade de enxergar, de ver além do que os olhos são capazes de nos
mostrar.
Porque pessoas grandes
precisam de tudo explicadinho, perderam a capacidade de imaginar devido a
seriedade da vida adulta. Por isso é preciso desenhar jiboias abertas, para que
elas vejam o elefante dentro e não confundam com um chapéu.
Há nas pessoas grandes do
Pequeno Príncipe a ilusão doentia de controle, de domínio, de supremacia, de
que é possível fugir daquilo que cativa sem conflitos. O monarca tem a ilusão
de que todo e qualquer homem é seu súdito e que ele poderá controlar a todos o
tempo todo, sem rebelião. O vaidoso tem a ilusão de que todos o admiram todo o
tempo. O bêbado pensa que pode esquecer a vergonha de ser um bêbado, bebendo. O
homem de negócios acha que é sério porque lida com números e possui riquezas, na
ilusão de que pode fazer um cheque das estrelas do céu, depositar no banco e
assim ser a melhor das pessoas grandes. O
pobre acendedor de lampiões (profissão existente antes de haver luz elétrica
nas ruas) fantasia que até o nascer e o pôr do sol se adequarão aos
regulamentos. O geógrafo tinha a ilusão de transferir o mundo para os seus
livros enormes sem levantar a bunda da escrivaninha e que essa era a mais nobre
das atividades.
E desta forma, na terra, um
planeta enorme, lindo e rico, as pessoas grandes, tomadas por loucas fantasias
e insanas ilusões se amontoam em poucos e pequenos espaços deixando enormes
extensões inabitadas e ainda assim vivem solitárias. Aumentam cada vez mais a
velocidade, mas não fazem ideia de onde querem ir.
Na terra, o principezinho constatou
que os homens não têm imaginação e uns repetem o que os outros dizem. Cultivam
milhares de rosas amontoadas em um mesmo jardim e se sentem pobres ao ponto de
quererem matar raposas. Tomados de estranhas ilusões de superioridade, de
progresso, de controle e posse as pessoas grandes são solitárias vivendo na
multidão, vivem na miséria tendo mais do que o necessário, porque não sabem
cativar e desconhecem o essencial.
As pessoas grandes, em O
Pequeno Príncipe, perderam o contato com a realidade e a habilidade de
imaginar, tornaram-se desertos. Levam a sério os oásis ilusórios da cultura
humana, visão provocada pelo rigor das condições extremas, pela febre e
desidratação em que se colocam.
Enquanto isso o Pequeno
Príncipe mantem o equilíbrio entre a sua criança interior e seu adulto dando a
importância devida a cada coisa, nem mais nem menos, sem se deixar levar pelas
convenções nem pelas ilusões de pessoas grandes.
E o aviador encontra-se entre
um e outro, ora ele é tomado pelo adulto ocupado com coisas importantes, como
arrumar seu avião nem que seja a marteladas, ora ele se deixa conquistar pela
imaginação e pela leveza do seu pequeno príncipe interior.
Ao final, a obra mergulha de repente
em uma espiritualidade mágica e se conecta com o seu início, deixando a pessoa
grande órfã daquelas explicações minuciosas e detalhistas, dos números e dados de
comprovação que tanto necessita, mas não vai ter. Não desta vez.
Bom, agora que já perdi a conta de quantas vezes li este maravilhoso livro (o carrego comigo há anos), quero trocá-lo por outro, seja definitivamente ou para destrocar depois. Se você tem um livro e deseja trocar comigo, deixe seu recado aí embaixo, nos comentários.
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