segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019


Quem precisa de um emprego?

A colocação profissional é um drama para muitos.
 a liberdade financeira, uma conquista de poucos.
 a vida e a liberdade, um direito de todos.

Lembro-me que quando chegou a hora de eu entrar no mercado de trabalho, quando isso passou a ser uma exigência dos meus pais e da sociedade, eu tinha uns 14 ou 15 anos, vivi um drama terrível, que me fez muito mal, não pelo fato de eu ter que trabalhar, mas porque eu ainda não sabia o que fazer, não tinha profissão e não era fácil conseguir emprego na cidadezinha onde eu morava.
Foi nesta época que minha autoestima começou a ser detonada e que comecei a pensar até em suicídio.
Meio dramático, não? Mas esta é uma verdade minha e pode ser a de mais alguém.
Além disso, ao longo da minha vida, eu vi muita gente vivendo problemas familiares, fim do casamento, separações dramáticas, em grande parte por causa de dificuldades financeiras, passei por isso também, mais vezes do que eu gostaria.
E hoje temos no Brasil mais de 12 milhões de desempregados e muitos milhões que já desistiram de procurar emprego.
Muitos ainda pensam que um homem para ser digno de respeito tem que ter um emprego com carteira assinada e permanecer em uma mesma empresa por vários anos.
Eu sempre achei deprimente e triste saber que alguém se manteve empregado numa mesma empresa por 20, 30 anos. Enquanto alguns se orgulhavam disso, tinham isso como algo bom, sinônimo de sucesso, eu sentia pena.
Será que não há outros caminhos seguros e dignos?
Alguns especialistas afirmam que este sistema está com os dias contados, que futuramente não haverá mais carteira de trabalho, emprego com benefícios, estas coisas que ainda temos no Brasil, mas que em alguns países do mundo não existem.
Aqui mesmo decisões políticas já indicam que este quadro deverá mudar e os avanços da tecnologia também já começaram uma revolução nas relações de trabalho há algum tempo.
Hoje em dia é possível você trabalhar para mais de uma empresa estando em qualquer lugar do mundo. Mas o processo de transição pode ser traumático para grande parte das pessoas. Nem todos estão preparados para esta nova configuração e já começam a sentir na pele os efeitos dela.
Esta ideia de emprego e estabilidade, que é ilusória, povoa ainda nossa cultura de forma perigosamente forte.
Certa vez eu estava dando aula para uma turma de terceiro ano do Ensino Médio e perguntei-lhes porque iam para a escola. A resposta de um dos alunos traduziu o pensamento da maioria e me surpreendeu negativamente.
Ele me disse que ia para a escola para ser alguém na vida.
Esta resposta me causou uma sensação ruim, um desconforto, certa tristeza. Porque aqueles jovens estavam me dizendo que você precisa ir à escola para ser alguém na vida, se não vai então será considerado ninguém, na vida? É isso mesmo?
Aquela era uma escola de período integral, com cursos técnicos profissionalizantes, que se orgulhava de formar o que eles chamavam de “chão de fábrica”. Veja só esta expressão: “chão de fábrica”. Aquela classe formada por operários, por operadores de máquinas, mecânicos de máquinas, torneiros mecânicos, eletricistas então é considerada chão, chão de fábrica.
E a isso os alunos chamavam “ser alguém na vida”.
E eu pensei:
a que se reduziu o ser humano para pensar que isso é a vida e é ser alguém na vida?
A que foi reduzida a vida?
Eu pedi uma melhor explicação aos alunos sobre este “ser alguém na vida” que me tinham falado. Um deles me explicou, com o estranhamento de quem explicava o óbvio a um professor que já deveria saber aquilo:
“ora, professor, é ser alguém na vida, ter um emprego, uma casa, um carro e família.”
Ah, então é isso? É isso que colocam na cabeça dos jovens, que a vida é isso?
Este é um aspecto que pode ser muito importante para algumas pessoas, mas é somente um aspecto da vida, e não a vida, a vida me parece ser muito maior do que isso.
E aqueles homens e mulheres que não quiserem ter emprego, casa, carro e família não serão dignos de ser alguém na vida?
Eles não têm o direito de fazerem outras escolhas e ainda assim serem alguém na vida?
Só há esta opção de vida?

Quem vai à escola, para ter um emprego, para ser alguém na vida e não consegue? Como fica esta pessoa? Como ela se sentirá? São estas que chamam de fracassados? Seria mesmo uma culpada não conseguir um emprego fixo com carteira assinada que lhe desse casa, carro e família?
Eu só disse para os alunos que eles já eram alguém na vida muito antes de irem para a escola pela primeira vez, porque eram amados por seus pais e amavam também, porque eram importantes para alguém e porque alguém era importante para eles. Que ser alguém na vida nada tem a ver, ou não deveria ter a ver com emprego, profissão e capacidade de consumo.
Inverteram os valores: o emprego, a profissão e o consumo foram colocados como valores acima da vida ou como sinônimo de vida.
Tanto é assim que um número assustadoramente grande de pessoas que não consegue se encaixar neste modelo, dar conta dessa demanda, acabam cometendo suicídio.
Há um exemplo emblemático ocorrido no Brasil, de um engenheiro que vivia com esposa e filhos em um condomínio de luxo no Rio de Janeiro, que ao perder o emprego e ver que não ia mais conseguir manter o padrão de “vida”, ou seja, de consumo, matou a esposa, os filhos e se jogou do prédio onde morava.
E há cada vez mais casos de suicídio entre jovens e adolescentes que vivem desde pequenos  sob essa pressão de serem alguém na vida, sob a ameaça de que, senão fizerem isso ou aquilo, assim ou assado, então não serão ninguém na vida.
Primeiro você é concebido no útero materno, e já é alguém na vida.
Depois você nasce, e já é alguém na vida.
Você brinca com as outras crianças, faz amizades, está no seio de uma família, cresce, se apaixona, ama, sofre, erra e acerta, e já é alguém na vida.
A profissão é um aspecto da vida, a casa é um aspecto da vida, a posição social é um aspecto da vida, o consumo é um aspecto da vida, a arte é um aspecto da vida, o carro, os amores, a bicicleta, as viagens, as dores, as emoções, os relacionamentos são aspectos da vida, mas cada um é só um aspecto da vida, não a vida toda. A soma de tudo isso e muito mais é que é a vida.
Quando qualquer um destes aspectos ou pouco deles passa a significar a vida toda, quando ele falta ou falha, o sentido da vida se vai, sem que tenhamos condições de enxergar a vida como um todo, muito maior, mais bonita e complexa do que aquele único aspecto que falhou.
Você já é alguém na vida desde a sua concepção e nascimento. Não precisa de um emprego, de sucesso profissional e no casamento para ser alguém na vida. Inverta estes valores, para começar, vamos voltar a este assunto.
Liberte-se.
Espero que este artigo tenha contribuído em algo para você.
Até o próximo.

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